O sabor da infância

Picolé do Amado celebra 50 anos, história e tradição se misturam em um único doce


Cultura

TEXTO/VAN: Beatriz Estima0

fotoSeu Amado, precursor dos picolés

Em 2016 a tradicional sorveteria Picolé do Amado completou 50 anos de história, trazendo muito mais que a refrescância dos seus sabores, um gostinho de infância.

Dalmir Vieira, atual dono do estabelecimento, é um senhor de meia idade, carismático e atencioso. Todos os dias ele vai até a sorveteria fabricar os picolés, tirando o doce da própria fruta, tudo artesanalmente. Dalmir é filho e herdeiro do Amado José Vieira, o precursor dos picolés. “Eu sempre trabalhei aqui. Comecei com 9 anos vendendo  picolé na rua. Depois meu pai precisou de ajuda e passei a trabalhar aqui dentro”, explica Dalmir.

A história da sorveteria é singela e emocionante. Nos anos 1960, Amado Vieira passou a ter problemas financeiros após a queda de rendimento de seu estabelecimento, um bar na rede ferroviária de São João del-Rei. Com as contas no vermelho, Amado se viu forçado a trocar de emprego e mudar de ramo. Comprou uma bicicletaria e passou a consertar e alugar bicicletas na cidade.

Em 1966, um senhor apareceu no estabelecimento pedindo para o ‘seu’ Amado consertar uma máquina de picolé. “Meu pai fez um orçamento do quanto ia ficar o conserto. O senhor se assustou com o preço e não quis mais, porém ele não conseguia levar a máquina de volta, então fez um negócio com meu pai”, relata Dalmir. Reformando a máquina, Amado fez alguns picolés para testes e passou a oferecer aos clientes da bicicletaria. “O pessoal experimentava os picolés e gostava. Voltavam no outro dia querendo mais. E assim foi ficando, a venda de picolé foi aumentando, até que meu pai se sentiu obrigado a parar o ramo de bicicleta para fazer só picolé. Eu tinha 9 anos”, lembra.

Com 12 anos, Dalmir já fabricava os picolés junto com seu pai. Na época do exército, assim que ele foi se alistar, Amado pediu para o liberarem, pois precisava de toda a ajuda possível para seguir com as vendas na sorveteria. Para uma criança, ver seu pai fabricando picolés era um sonho. Dalmir vivia esse paraíso; um doce de infância que virou  negócio de família, e hoje é o seu sustento.

A tradição começou a partir daí. Os clientes da bicicletaria do Amado divulgavam os picolés da melhor forma que podiam: o famoso ‘boca a boca’. “Todo mundo dizia, ‘ vai lá no Amado chupar picolé’ e assim o pessoal começava a vir. E o conserto de bicicletas começou a ter mais cara de sorveteria”, diz Dalmir. As pessoas da região, vizinhos, amigos, conheciam os picolés, conheciam o Amado. Logo, a sorveteria passou a se tornar um ponto indispensável de se conhecer ao ir para São João del-Rei. O Picolé do Amado virou ponto turístico.

Segundo Dalmir, o que faz esse doce ser tão tradicional em São João foi ter mantido a qualidade durante o passar do tempo, não perdendo o sabor tão específico do picolé após cinco décadas. “O picolé sempre foi a mesma coisa em 50 anos. A pessoa que chupou o picolé aqui 30 anos atrás, volta compra o doce e diz ‘Nossa, igualzinho o tempo que chupava esse picolé quando criança’ então tem essa ligação”.

As receitas são únicas, criadas justamente pela família Vieira, da qual Dalmir se orgulha muito. Para ele, pode haver picolés piores ou melhores, mas igual, nunca. Ele aprendeu a fabricar as receitas com 12 anos, e quando a sorveteria passou para seu nome, começou a criar novos sabores.  O doce representa a vida de Dalmir. “Pra mim isso é tudo. Eu adoro fazer picolé, sinto prazer nisso. E trabalhar onde meu pai esteve é um conforto.”

Dificuldade todos passam, e com o Picolé do Amado não foi diferente. A família era muito pobre quando começou o negócio. Dalmir tem mais seis irmãos, e foi difícil para Amado criar todos eles em uma época que o Brasil passava por uma série de crises econômicas. O atual dono dos picolés agradece a Deus pela sorveteria ter dado tão certo na cidade, e que agora tenha virado uma tradição.

Rotina de Trabalho

Picolé do Amado se encontra na rua José Leite de Andrade, em São João del-Rei, aberto das 11h da manhã às 21h. Renata Vieira, filha de Dalmir, abre a sorveteria e começa a fabricar os picolés de manhã, todos os dias. Renata tem 25 anos e estuda Administração na UFSJ. É herdeira e a única, além de Dalmir, a fabricar os picolés. Nas vendas, quem ajuda é o namorado de Renata, Renato Elisei Menezes, estudante de Engenharia Mecânica.

A interação com os clientes, saber as opiniões sobre o produto, contar até mesmo do dia a dia, aproxima os funcionários dos compradores, criando um ambiente saudável e harmonioso.

A fabricação acontece todos os dias, artesanalmente e 100% natural. Renata e Dalmir tiram o doce da própria fruta e montam suas receitas. Nos dias pouco movimentados é dedicado maior tempo para a fabricação, sem necessidade de acelerar o processo de produção. Enquanto nos demais dias, é preciso aumentar o ritmo, sem deixar de perder a qualidade.

O Picolé do Amado é um dos lugares que fazem parte da história de São João del Rei. São 50 anos deixando a vida dos são-joanenses mais doces, levando em cada picolé o sabor da infância.

 

 

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