Voltar a todos os posts

A emblemática Semana de 22

16 de Fevereiro de 2022, por Regina Coelho

Tendência literária predominante na poesia brasileira até o início do século XX, o Parnasianismo consagrou poetas como Olavo Bilac, deixando marcas também em textos oficiais, conforme se vê na letra do Hino Nacional Brasileiro, de Joaquim Osório Duque Estrada. Através da valorização do emprego da palavra rara e da frase rebuscada, os parnasianos fizeram do cuidado com a forma sua característica básica em detrimento da própria qualidade da expressão poética. Já se percebiam, porém, na época sinais de inquietação artística, o que iria provocar o surgimento do Modernismo.

Sabe-se que as primeiras décadas desse século foram marcadas por um notável desenvolvimento técnico e científico, quadro esse que alterou profundamente a configuração do mundo, criando novas maneiras de pensar e um outro ritmo de vida para as pessoas. Por outro lado, sérias agitações de ordem social e política, entre elas, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), criaram um estado geral de angústia por toda parte.

Nesse contexto, falando de Brasil, algumas manifestações artísticas passaram a apresentar traços de renovação estilística condizentes com a necessidade de expressar e interpretar essa nova visão de mundo e do país. Disso é exemplo a obra dos chamados escritores pré-modernistas pela postura de análise da realidade brasileira e dos nossos problemas sociais, um dos pressupostos do Modernismo. A esse cenário somaram os movimentos da vanguarda europeia, grandes influenciadores das nossas aspirações modernistas.

Grosso modo, lembremos a Semana da Arte Moderna, mostra realizada nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo, precisamente no ano do Centenário de Independência do Brasil. Majoritariamente masculino, numa época em que as mulheres sequer podiam votar (em 1934 o voto feminino passou a ser previsto pela Constituição Federal), o evento teve apenas três figuras femininas participantes: Anita Malfatti, a pianista Guiomar Novaes e Zina Aita, pintora, desenhista e ceramista mineira.

Sobre Anita, um fato importante pela polêmica que provocou foi a exposição da pintura moderna de seus mais arrojados trabalhos, ainda em dezembro de 1917 e janeiro de 1918. No tradicional meio artístico paulistano, a mostra dividiu opiniões. Entretanto, o que, de fato, ampliou a discussão em torno não somente da pintora, mas principalmente da questão da validade da nova arte, foi um artigo infeliz de Monteiro Lobato. Nele, entre outros ataques, compara a obra de Anita “aos desenhos dos internos dos manicômios”. A repercussão da crítica de Lobato foi devastadora para Anita Malfatti, no entanto, despertou a simpatia com relação a ela de um grupo de novos artistas que procuravam ganhar espaço para divulgar suas ideias renovadoras, como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Di Cavalcanti e outros. Em suma, o “caso” Anita foi o estopim para uma sequência de ações que culminaram com a realização da hoje famosa, histórica e centenária Semana de 22.

Vista isoladamente, ela (a Semana) não mereceria tanta atenção por se tratar de um encontro restrito (aos meios artístico e endinheirado, paulistas), sem grande destaque nos jornais da época e sem um projeto de arte em comum que unisse as várias tendências de renovação voltadas ao combate à cultura estabelecida (vide o Parnasianismo) e à defesa da liberdade de criação artística. Com o passar do tempo, porém, a Semana de Arte Moderna foi ampliando a influência de seus objetivos, propiciando a formação pelo país de grupos de artistas e intelectuais, que fundaram revistas de arte e literatura, publicaram manifestos, levando enfim adiante até nossos dias e aprofundando o debate sobre a arte moderna brasileira.

Em trecho do editorial publicado em julho de 1925 no primeiro número de A Revista, que divulgou as tendências modernistas em Minas Gerais, Carlos Drummond de Andrade sintetiza o pensamento vigente da época:

“Depois da destruição do jugo colonial e do jugo escravista, e do advento da forma republicana, parecia que nada mais havia a fazer senão cruzar os braços. Engano. Resta-nos humanizar o Brasil”.

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário