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Ainda hoje infeliz realidade

12 de Novembro de 2019, por Regina Coelho

viajei pela primeira vez para Porto de Galinhas (PE) há muito tempo. Estive lá novamente há três anos, quando ouvi de um guia local a explicação esquecida sobre o nome do lugar. O que contam é que antigamente Porto de Galinhas era conhecida como Porto Rico devido à farta extração de pau-brasil na região. Em 1850, a Lei 581 (Lei Eusébio de Queirós) tornou proibido o comércio escravista no país, mas os escravos continuaram a chegar para serem vendidos, contrabandeados. E tão logo atracava no porto pernambucano o navio em que eram trazidos, escondidos debaixo de inúmeras galinhas d’angola, comerciantes das redondezas anunciavam a “carga” com uma senha secreta: “Tem galinha nova no Porto!”. Essa lembrança me veio agora ao saber que outro famoso paraíso natural também tem seu nome ligado à história da escravidão no país. Segundo o jornalista Laurentino Gomes, coube a Fernando de Noronha, um cristão-novo, (judeu recém-convertido ao cristianismo) “inaugurar o tráfico de escravos no Brasil. Em 1511, ou seja, apenas uma década após a chegada da esquadra de Pedro Álvares Cabral à Bahia, a nau Bretoa, de propriedade do florentino Bartolomeu Marchianni e de Fernando de Noronha, atracou em Portugal com uma carga de papagaios, peles de onça-pintada, toras de pau-brasil e 35 índios cativos”.

Essa informação consta do livro “Escravidão” – vol. 1 – a nova trilogia de Laurentino – que cobre o período que vai do primeiro leilão de escravos africanos realizado em Portugal, no dia 8/8/1444, até a morte de Zumbi, o líder do Quilombo dos Palmares, em 20/11/1695. Lançada em agosto deste ano na Bienal do Rio, a obra, uma verdadeira empreitada, custou ao jornalista uma extensa pesquisa (leu por volta de 200 livros) e anos de viagens por 12 países, 8 deles em território africano.

Falando de escravidão, essa prática muito antiga em todas as culturas, um fato é inquestionável: os homens cativos vistos como mercadoria, reduzidos à condição de bens semoventes, como os animais, podendo ser vendidos, alugados ou dados como pagamento de dívidas. No capítulo Documentos históricos do seu Memórias do antigo arraial de Nossa Senhora da Penha de França da Lage..., o resende-costense Juca Chaves faz a transcrição de alguns testamentos. No de Francisca Cândida Resende há uma referência especial a duas escravas – Rizulia e Maria Delfina – dadas respectivamente à Maria e à Francisca, netas de Francisca. Eis aí apenas um pequeno e doméstico exemplo do que se vivia naqueles tempos.

Uma outra questão que o tema suscita é o racismo, definido como crime no Brasil desde 1989. À afirmativa de que a escravidão é um fenômeno presente no curso da própria humanidade, o já citado Laurentino Gomes menciona em seus últimos escritos os milhões de seres humanos cativos. Eles “provinham de todas as regiões, raças, linhagens étnicas, incluindo eslavos (designação que originou a palavra “escravo”) de olhos azuis das regiões do Mar Báltico”, revela ele. Nessa última condição, os escravos eram pessoas brancas. A escravidão na América provocou o “nascimento de uma ideologia racista, que passou a associar a cor da pele à condição de escravo”, esclarece. Na verdade, três séculos e meio de escravidão brasileira deixaram como herança o racismo, ainda hoje forte, camuflado ou escancarado, mas sempre vergonhoso e abominável. Como tal, é um mal a ser combatido, aqui ou onde quer que seja.

Recentemente, em partida de futebol realizada na Bulgária entre a seleção do país e a inglesa, torcedores búlgaros foram vistos imitando sons de macaco, fazendo saudações nazistas e entoando cânticos racistas para os atletas negros da Inglaterra. Nas imagens que circularam por toda parte, jovens bonitos e saudáveis aparecem juntos e uniformizados, como numa ação orquestrada. Uns sorriem. Alguns cobrem parte do rosto com o capuz. Na inscrição de deboche que se lê nas camisas que seguram, “Sem respeito”, uma alusão à campanha “Respeito”, da Uefa, contra o racismo no esporte, eles dizem tudo, autodefinindo-se. Sem comentários!

Lá ou cá, é inaceitável toda forma de racismo.

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