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Aqui e lá fora, um grande sucesso popular

12 de Abril de 2020, por Regina Coelho

Pouco se falou de José Mauro de Vasconcelos e seu centenário de nascimento em 26/2/2020. Romancista brasileiro cuja obra teve papel importante na formação de algumas gerações de leitores, com tradução em várias línguas e presença em muitos países, mesmo assim ele não teve o reconhecimento devido nos meios acadêmicos. “Talvez ele tenha sido assim uma espécie de ‘patinho feio’, ou um pouco injustiçado nas qualidades dele como escritor, como homem de cultura”, pondera João Ceccantini, professor de literatura (UNESP de Assis/ SP). Aclamado pelo público e marginalizado pela crítica, o carioca criado pelos tios em Natal (RN), devido às precárias condições econômicas da família, é responsável por largas tiragens com sucessivas reedições de seus romances. Um deles é a obra As confissões de Frei Abóbora, que conferiu a José Mauro em 1967 o Jabuti, tradicional prêmio literário brasileiro. Esse fato pode ser sinalizado como uma rara admissão do talento desse criador de tantas outras histórias por parte de uma entidade respeitada na área, no caso, a Câmara Brasileira do Livro (promotora da premiação).

Em se tratando de uma produção tão vasta ao longo de décadas, no entanto, pela popularidade e seu consequente sucesso editorial, o destaque absoluto atende pelo título de O meu pé de laranja lima (1968). Com edição comemorativa de 50 anos em 2018 pela Editora Melhoramentos, a história fortemente autobiográfica do menino Zezé tem números impressionantes, ou seja, venda de mais de 2 milhões de exemplares somente no Brasil, onde teve mais de 150 edições. No Japão e na Coreia do Sul, chegou a ganhar uma versão em forma de mangá (história em quadrinhos). E não para aí. As mesmas páginas que fizeram muita gente se emocionar com as aventuras e desventuras do garoto que “conversava” com “um certo pé de laranja lima” foram adaptadas para a televisão em três novelas: uma na hoje extinta Rede Tupi (1970) e duas na Rede Bandeirantes (1980 e 1988). E também mereceram adaptações para o teatro e em 1970 e 2012, para as telas do cinema.

Nunca me esqueci do dia em que eu e minha irmã Fátima fomos assistir em São João (del-Rei) àquele filme tão esperado por nós, uma vez que havia sido adaptado do livro que já tínhamos lido (e amado) e relido. Mas o impacto de ver na telona todas aquelas personagens que já conhecíamos da leitura do texto foi muito grande. Vê-las fisicamente com a voz e as feições de cada intérprete, é claro, foi inesquecível. Ver o Zezé sofrendo horrores, aí, foi demais para mim. E foi um chororô só! Conversando com a Fátima agora sobre isso, ela me disse que se lembra até do “vestidinho azul” que eu usava no dia, com certeza molhado pelas lágrimas que não consegui impedir que caíssem.

Para quem não conhece o livro, valem aqui algumas informações relevantes sobre ele. Trata-se de uma narrativa em primeira pessoa (Zezé, personagem-narrador), um relato da vida humilde de uma família com problemas de violência doméstica, alcoolismo do pai e omissão submissa da mãe em relação ao comportamento agressivo desse mesmo pai/marido com os filhos e com ela mesma. Nesse conjunto de situações (atemporais, diga-se de passagem), transita o protagonista infantil em seus 5/6 anos. E três figuras são fundamentais em sua vidinha (uma mistura de inocência e travessuras): Glória, a irmã adolescente, sempre tentando defendê-lo das surras que levava; Minguinho (ou Xururuca), o seu amigo imaginário, isto é, o pequeno pé de laranja lima; e Portuga, um amigo adulto por quem Zezé se afeiçoa. Chama a atenção na caracterização dessa criança a hiperatividade, hoje reconhecida como tal, mas vista na história como coisa de quem “tinha o diabo no corpo”.

Isso posto e longe da questão envolvendo o embate entre sucesso comercial e legitimidade literária, lembro Djavan para sugerir a vocês neste outono inquietante e de reclusão em nossas casas em “um dia frio/ um bom lugar para ler um livro”.

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