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Arte do palhaço

16 de Julho de 2015, por Regina Coelho

Pensar na figura do profissional “palhaço” no Brasil é se lembrar do Carequinha, ídolo da criançada durante sete décadas. Nascido George Savalla Gomes, no dia 18 de julho de 1915, em Rio Bonito (RJ), filho de trapezistas, ele teve a sina de nascer literalmente no circo, berço da história de vida daquele que chegou a ser considerado o melhor palhaço do mundo.

Com apenas 2 anos de idade, George perdeu o pai, daí ter sido criado pelo padrasto, também responsável pelo nascimento de um dos maiores mitos mundiais das artes circenses. Colocando no menino, então com 5 anos, uma careca postiça, ele decretou: “Você será o palhaço Carequinha”.

E assim foi. Dotado de um talento peculiar para fazer rir, ele foi conquistando aos poucos o coração das pessoas e imortalizando bordões como: “Hoje tem marmelada? Tem, sim, senhor! E o palhaço, o que é? É ladrão de mulher!” É dele também o tradicional “Tá certo ou não tá, garotada?”, que era sempre respondido em uníssono com um empolgante “Táááááá!”.

Em 1938, iniciou-se como cantor na Rádio Mayrink Veiga, no Rio. Com o Circo Bombril estreou na tevê em 1951 na inauguração da TV Tupi (hoje extinta), permanecendo no ar com o programa ao vivo por 13 anos e transformando-se no primeiro palhaço da televisão brasileira. Premiado na Itália, gravou 26 discos e emplacou marchinhas carnavalescas. Entre seus sucessos, o destaque maior é O bom menino (“O bom menino não faz xixi na cama/ o bom menino não faz malcriação...”), música definitivamente associada ao palhaço mais famoso do país.

É importante ressaltar que Carequinha inovou o conceito de sua arte. E sabia disso, a julgar por suas próprias palavras: “Antes de mim, o palhaço levava farinha na cara, era o bobo, só apanhava. Eu fiz o palhaço-herói, modifiquei o estilo. A intenção era fazer do palhaço um ídolo e não um mártir”. “A Xuxa é muito bonitinha, mas quem inventou brincar com crianças na televisão foi o Carequinha.” Nessas considerações, é possível enxergar uma certa imodéstia e uma clara consciência de seu valor profissional. E por razões não exatamente ligadas à integridade dos animais, Carequinha desaprovava a presença deles nos espetáculos por acreditar que eles podiam provocar medo nas crianças e achar perigosa a proximidade deles com a plateia.

O artista morreu aos 90 anos, em São Gonçalo (RJ) e teve seu corpo enterrado no cemitério de São Miguel, na mesma cidade. Esse local tem grande valor simbólico, pois nesse cemitério está enterrada a maior parte das vítimas do histórico e, para muitos, criminoso incêndio no “Gran Circo Norte-Americano” ocorrido em 1961 em Niterói, no qual morreram centenas de pessoas.

Transcorridos exatos 100 anos do nascimento do Carequinha, a imagem do (a) personagem palhaço se mantém viva. Há os palhaços de picadeiro, sem os quais o circo não teria a menor graça. E há ainda os ocasionais palhaços e palhacinhos do carnaval. E também os animadores de festas infantis em trajes e performances de palhaço. Digna de aplauso é a atuação voluntária de grupos que usam a risoterapia. Inspirados e transfigurados na figura do palhaço e em que tudo o que ela representa, trupes como os Doutores da Alegria, Tutores do Riso, Doutores Palhaços e Palhaços em Rede, entre outros, fazem visitas regulares a hospitais e abrigos do país levando alegria a pacientes e albergados.

De sapatos grandes, roupas largas em cores e estampas chamativas, berrantes e brilhantes, peruca ou penteado exagerado e uma gravata enorme, o palhaço e sua arte são tudo de bom. Símbolo maior dessa caracterização física, o falso nariz vermelho e arredondado transpôs os limites dessa bonita composição artística para servir de protesto a quem o usa por se sentir ludibriado ou ridicularizado como cidadão desrespeitado em seus direitos. Da mesma forma, as boas palhaçadas, que arrancam gargalhadas do “respeitável público”, decididamente não são aquelas que se traduzem em cenas lamentáveis vistas por aí.

 

 

Nota - O presente artigo é dedicado aos saudosos Antônio Resende (Antônio "Dentista") e Célio Ramos, palhaços de muitos carnavais, os dois guardados na memória afetiva de boa parte dos resende-costenses.

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