Integrantes de uma turma de oito irmãos, estando vivos hoje seis, Maria José de Sousa (70) e Maria do Rosário de Sousa (59), as filhas da Vovó, vieram do povoado do Brumado acompanhando a família por determinação materna. Instaladas em Resende Costa, foram impedidas de frequentar escola porque, segundo afirmam, a mãe (que era doente) achava que não podiam ir ao grupo escolar, pois, se saíssem de casa, “o carro matava”. Maria do Rosário ou Rosária (como muitos a chamam), no entanto, faz questão de dizer que sabe fazer contas. A julgar pelo organizado e conceituado trabalho que essas duas irmãs desempenham há mais de cinquenta anos como lavadeiras, elas souberam se impor como profissionais de respeito na área em que atuam.
No começo, Maria José e Maria Aparecida (uma outra irmã) lavavam as roupas da casa, mas por necessidade familiar passaram a aceitar encomendas de trouxas, todas elas levadas para a Fonte da Mina, perto de casa e local de lavação das peças. Aparecida veio a falecer e Rosária assumiu o lugar da irmã na formação de uma nova e dinâmica dupla. E bota dinamismo nisso! E muita história para contar também.
Lembrando os tempos mais difíceis ao lado dos pais (falecidos), minhas simpáticas e sorridentes entrevistadas comentam que puderam contar com a ajuda do José Alencar e da dona Rute, saudosos irmãos do Ênio Resende. Afirmam que por ocasião da compra da casa onde moraram por muito tempo, foram ajudadas também por ela. E o tamanho da gratidão e do carinho que nutrem pela lembrança de uma pessoa tão prestimosa como foi dona Rute pode ser traduzido pela maneira como as duas se referem à sua protetora: “nossa mãe”.
Quando indagadas sobre a primeira cliente (ou freguesa, melhor dizendo), citam a Margarida (do Tarcísio), que confiou a elas a lavação das roupinhas da filha Naná, na época, bebê. E vieram muitas outras, várias delas fiéis até hoje e recomendando o serviço das duas a filhas e noras. À propósito, o trabalho que as duas irmãs executam numa média semanal de oito ou nove trouxas lavadas e quase sempre passadas (opção da maioria pelas duas etapas) começa com a busca da roupa na casa da freguesa. Essa tarefa é exclusiva da Rosária já que Maria José nunca sai de casa, por nada, segundo ela, que simplesmente se acostumou a viver assim e se diz feliz dessa forma. Até dois anos atrás, as roupas eram lavadas na já citada Fonte da Mina, hoje infelizmente abandonada por todos. Por muito tempo, essas tradicionais lavadeiras cuidaram dela fazendo a capina do local e lavando a caixa d’água. Por questão de praticidade, a lavação é feita agora na casa que construíram em terreno também comprado por elas. Tudo fruto de muito esforço de ambas. E, se atualmente contam com as facilidades no uso de produtos variados para lavar e passar as peças de roupas, isso nem sempre foi assim. É verdade que tudo é lavado exclusivamente “na mão” e Rosária não hesita ao assegurar que a quantidade de trabalho não diminuiu com a popularização das máquinas de lavar. O sabão de bola (feito à base de torresmo triturado, soda cáustica e água) não é mais usado, mas as roupas brancas passam ainda pelo quarador. Isso quer dizer que as duas lavadeiras colocam esse tipo de roupa já em processo de lavagem sobre um plástico estendido no chão do quintal da casa por algum tempo, antes de enxaguar as peças. Secas e recolhidas dos inúmeros varais, as roupas são passadas. Nessa hora, reina absoluto o ferro a brasa. O elétrico, nem pensar!
Dá gosto ver as peças dobradas nas trouxas limpas e prontas para o caminho de volta a seu destino, sempre carregadas nos braços da Rosária, uma verdadeira formiguinha passando pela cidade num vaivém constante. Trouxa vai, trouxa vem, é raríssimo alguém deixar de receber alguma peça de roupa ou vir ela trocada de outra trouxa, por engano. E todo cuidado é pouco para não deixar que as roupas manchem. Para evitar que isso aconteça, nossas especialidades recomendam que as peças sejam separadas por cor (o que já é sabido) e, colocadas de molho, não devem ser esfregadas na hora. Elas recomendam ainda varais diferentes para roupas brancas e escuras. Todo cuidado é pouco também para conferir os bolsos de calças, casacos e camisas tirando deles papéis, chaves e dinheiro, muitas vezes esquecidos ali e devidamente devolvidos a seus donos.
Tantos anos de trabalho custaram à Rosária uma “inflamação” crônica no pulso direito. Maria José afirma ter se curado de uma dor antiga no braço. São os ossos do ofício. Segundo elas, ver a roupa clarinha e cheirosa é a melhor parte do serviço. A pior? “A chuva”, respondem as duas, mas sabiamente acrescentando que “tem que chover senão a gente fica sem água”.
Conhecidas em Resende Costa como “as filhas da Vovó”, quis saber delas o porquê de serem assim chamadas. A explicação é simples: Vovó era o apelido da mãe, Nair Sebastiana de Jesus. Sem dúvida, o nome que as identifica na cidade é marca de qualidade associada à excelência dos serviços prestados a tanta gente por essa dupla que sabe levar a vida com a maior dignidade. Limpeza pura!
As filhas da Vovó
09 de Abril de 2012, por Regina Coelho