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Companheira de aprazíveis horas

20 de Abril de 2022, por Regina Coelho

dizem que os chineses atribuem ao compatriota Lu Ban (507-444 a.C.) a invenção da bicicleta. Sabe-se ainda que as primeiras informações sobre a existência desse invento como modelo próximo do que se tem hoje remontariam a um projeto do genial italiano Leonardo da Vinci, por volta de 1490, afirmação essa contestada atualmente. De fato mesmo, considera-se como pioneira a criação do alemão Karl von Drais em 1817. Batizada pelo barão Karl de “máquina corredora” (“Laufmaschine”, em alemão), era feita de madeira e funcionava com o impulso dos pés. Uma adaptação com pedais surgiu em 1839, advindo daí sucessivos processos de evolução desse simpático e repaginado veículo de locomoção.

A bicicleta chegou ao Brasil no final do século XIX. Os primeiros relatos de seu uso no país destacam São Paulo (capital), onde foi fundado em 1892 um clube amador de corridas e passeios ciclísticos; o Rio de Janeiro (então capital do país) e Curitiba (PR), onde já existia um clube de ciclismo organizado por imigrantes da colônia alemã local desde 1895. Como até meados de 1940 as bicicletas e suas peças eram importadas, o custo delas era elevado devido às dificuldades de importação da época. A partir de 1950, algumas marcas começaram a ser produzidas integralmente por aqui, sinalizando a aceitação do produto “duas rodas” pelos brasileiros e comprovando ao longo do tempo que ele veio para ficar.

Como sonho de consumo alimentado na infância e adolescência de quase todo mundo, a bicicleta é personagem na história de vida de muita gente. Em Resende Costa (certamente em outros lugares também), quando o mais comum era a pessoa não ter em casa esse veículo, que é de transporte e principalmente de diversão para tantos, o jeito era apelar para o serviço de aluguel de uma bike. Tínhamos por aqui o Afonso do Zé Henrique, com quem os meninos (clientela básica do Afonso), naqueles anos mais machistas, só garotos mesmo, alugavam por hora pedaladas inesquecíveis pela cidade.

Naquela época, tendo dois adolescentes em casa já se aventurando em suas investidas ciclísticas por algumas de nossas ruas, meu pai resolveu comprar para eles em Belo Horizonte uma bicicleta. Dessa forma, o Elmo e o Amadeu passaram a ser donos de uma Mercswiss de cor vinho, novinha em folha e usada irmãmente (nos dois sentidos) por ambos. Um dia para um, um dia para o outro. E assim sucessivamente. Mais tarde, “seu” Adenor passou a vender bicicletas em sua loja.

Quando chegou a minha vez de aprender a pedalar, como muitos faziam, fui viver essa experiência incrível no campo do Expedicionário. Momento mágico aquele da descoberta, parece que de repente, sem alguém na retaguarda como apoio: você seguindo só, equilibrando-se sobre aquelas duas rodas sem saber direito como. Agora, fazer valer a velha máxima segundo a qual certas coisas na vida são como andar de bicicleta, a gente nunca esquece, isso já é outra história.

Li certo dia uma explicação interessante para uma outra frase famosa ligada ao mundo das bikes: “Não sei se caso ou se compro uma bicicleta”. Assim, estariam implícitas nesse suposto dilema duas ideias ligadas (ou separadas) pela alternativa “ou”. Como casar significa o início de uma vida a dois, casar representa o abandono dos sonhos individuais. Por sua vez, a bicicleta representa o individualismo, a independência, a liberdade. Faz um certo sentido pensar desse modo, mas, necessariamente, uma opção não exclui a outra.

Vivendo num país sem tradição e condições de ter a bicicleta como um meio de transporte seguro (também econômico e não poluente) nos grandes centros, opto por trazer aqui a bonita e recorrente imagem do menino livre do interior montado em sua magrela, com ela estabelecendo uma cumplicidade diária, ambos inseparáveis, indo e voltando em manobras divertidas, às vezes arriscadas, de ingênuo exibicionismo.

Em qualquer idade, eis aí uma boa parceria, em momentos de prazer em que pedalar é poder sentir a bicicleta como uma extensão do próprio corpo.

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