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Da queda ao recomeço

25 de Outubro de 2022, por Regina Coelho

catei cavaco um dia desses. Tropecei nas próprias pernas, nesse caso, o que foi a causa do ocorrido, literalmente, por mais incrível que isso possa parecer. Era uma manhã de caminhada. Lugar plano, sem obstáculos à frente. Talvez o ritmo acelerado e certamente distraído das minhas passadas explique essa sequência involuntária de “correr com o corpo curvado para a frente, as mãos quase tocando o chão, na tentativa de restabelecer posição de equilíbrio, após tropeção ou choque físico”, que é o modo como o Houaiss (Dicionário) define informalmente esse momento de “catar cavaco”.

Sem dúvida, há um quê de ridículo quando isso acontece. Sentir-se desgovernada, andando e caindo sem saber onde e como aquilo vai parar, deixa a pessoa duplamente no chão – fisicamente e um tanto quanto envergonhada. Nessa hora, vem o temor de que alguém possa ter presenciado aquele espetáculo involuntário e sem graça. Sem graça para quem passa por tal situação, mas, para quem vê tamanha cena, a estranha vontade de rir é quase incontrolável e acho até que vem antes da necessidade de ajudar a se levantar a constrangida criatura ali caída e querendo se recompor rapidamente de qualquer jeito. E quando perguntada a respeito de como aconteceu ou por que aconteceu aquele tombo e, principalmente, se ela se machucou, imediatamente, ou melhor, automaticamente, diz que não foi nada. Mesmo eventualmente mancando, sangrando ou com braços, mãos e pernas esfolados, minimiza o fato. Essa parece ser a opção de quase todos os que já passaram por uma catação de cavaco.

Certos tombos não têm nada de engraçado, pelo contrário. Têm consequências sérias, às vezes definitivas ou mesmo fatais. Não se fala aqui deles. Lamenta-se muito que aconteçam. E recomenda-se todo cuidado para que sejam evitados.

O foco ora presente está na impossibilidade, num primeiro momento, da resistência ao riso diante dos tombos nossos de cada dia. Não se sabe com certeza por que motivo provocam o riso frouxo de quase todo mundo. Não à toa vídeos mostrando pessoas caindo de todas as formas possíveis, em casa, em ambientes movimentados, portanto, repletos de testemunhas, como os de festas e encontros variados, são exibidos e/ou postados aos montes por aí. O exemplo mais consistente desse gosto em rir das desgraças dos outros atende pelo nome de videocassetadas, do Faustão ou não, muitas delas, muito forçadas, por sinal.

Sabe-se que cada pessoa desenvolve um tipo de senso de humor, e a predileção de cada uma é consequentemente diferente. Certos aspectos essenciais do que é cômico, no entanto, ajudam a explicar por que algumas quedas podem despertar o riso. Num contexto de pouca seriedade, alguém cair e, aparentemente, isso não ser grave, pode ser divertido. Outro aspecto a ser considerado é a ocorrência do inesperado ou do inusitado a partir da distância entre o que se espera que aconteça e o que acontece de fato. Considera-se aí o fator surpresa, tal como ocorre numa piada, quando a graça e a risada ficam reservadas para o seu final.

De tombos inofensivos e de risos que eles provocam nos outros a vida é feita. Ainda nos meses iniciais da infância, em preparação ao importante aprendizado que é conseguir andar, pequenos, vacilantes e desequilibrados passos sinalizam nossas primeiras de muitas quedas ao longo do caminho. Afinal, quem nunca caiu... da bicicleta, da escada, da cadeira; brincando de pique, jogando bola, correndo pelo campo, virando o pé, pisando em falso, rolando degraus abaixo, escorregando no chão molhado, fazendo caminhada...?

De uma outra maneira, também caímos, catando cavaco ou não, tropeçando feio, cambaleando, perdendo o prumo, ficando infelizes. Nessas ocasiões não cabe o riso de ninguém. Cabe, sim, a nossa atitude corajosa de querer e saber dar a volta por cima.

Em seu poema No meio do caminho, Drummond lembra reiteradas vezes a existência de uma pedra no meio do caminho. Haverá sempre pedras e quedas em nosso percurso, os reveses de toda natureza na vida do ser humano. Ainda assim, sigamos!

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