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De mal com a escola

14 de Outubro de 2021, por Regina Coelho

guardo comigo a cena de um acontecimento, certamente uma das primeiras lembranças de minha existência. Ainda não tinha entrado na escola e, vendo a criançada passar pela rua Gonçalves Pinto rumo ao então Grupo Escolar Assis Resende (hoje Escola Estadual), costumava ouvir de alguns adultos uma mesma palavra dirigida ora individual, ora coletivamente àqueles meninos e meninas levando consigo seus pertences escolares e os sonhos de toda infância. “Gaiola! Gaiola!”, ouviam os pequenos. Pelo tom amistoso das vozes, imaginava ser aquilo uma brincadeira, com certa intenção de um bem feito! para quem seguia em direção a um “lugar ruim”.

Havia (e ainda há) no entendimento desse termo de zoação aos estudantes em aula, embora não pareça ser ele usado mais com tal significado, a ideia angustiante desse espaço como “clausura onde se encerram aves” (Aurélio) ou prisão. Eis aí a triste metáfora da escola vista como gaiola.

De natureza parecida, um outro episódio do passado e bastante conhecido na cidade envolve a figura simpática do Bebeto da dona Olga e do Iracy Freitas. Chegando em casa o Bebeto, vindo do seu primeiro dia de aula, quis a mãe saber dele:

– E aí, José Alberto, como foi lá na escola? Gostou?

E ele, prontamente, para decepção da dona Olga, disse a ela com toda a sua sinceridade infantil:

– Iihh, mãe! É muito pior do que missa!

Como professora, no convívio com alunos dos mais variados perfis, ouvia muitas vezes daqueles que diziam odiar a escola e/ou os estudos, coisas que também me decepcionavam. “Tenho vontade de matar quem inventou a escola.” “Detesto estudar.” “Tô aqui só porque meu pai me obriga.” “Ah, Fulano de tal tá bem de vida e não estudou.” Essas foram algumas declarações (ou seriam desabafos?) mais frequentes com que lidei, ao mesmo tempo tentando intervir como mediadora nessa relação de conflito de parte do alunato com o ambiente escolar, que era visto como indesejável, e tudo o que isso implicava.

Temática relacionada à educação formal é explorada no belíssimo Sociedade dos poetas mortos (Dead poets society – 1989), dirigido por Peter Weir e estrelado por Robin Willians (John Keating, um professor nada convencional que busca valorizar a expressão artística e a liberdade de seus alunos). O tema central do filme é o constante embate entre as vontades e as necessidades dos jovens de viverem intensamente diante de um sistema de ensino rígido e autoritário que lhes tolhe a busca por outras visões de mundo.

Meses atrás, com a pandemia do novo coronavírus em alta e a vacinação em baixa, o fechamento total das escolas no Brasil, passada a euforia dos primeiros momentos sem aulas, provocou em muitos dos novos haters da escola (sempre haverá) reações como esta, por exemplo: “Nunca pensei que fosse falar isso, mas tô sentindo muita falta da minha escola”.

Ainda bem. Mesmo que seja apenas pela saudade da diária rotina com os colegas/amigos interrompida por longo tempo. Mesmo que seja também, em delicados e inúmeros casos, pela necessidade urgente da comida certa e gostosa servida em nossas cantinas escolares. Sim. Já é alguma coisa. Pensando bem, não pode ser ruim um lugar onde muitas amizades se formam e onde uma acolhida positiva pode representar o início de um bom caminho a trilhar. Permanece, porém, o grande desafio da integração plena desses alunos e dos demais ao processo educativo de forma a permitir o êxito no bonito salto que é o aprendizado, ponto crucial nessa questão.

Importa muito para tanto que a realidade escolar faça sentido no dia a dia dos estudantes, decisivo passo adiante para que se sintam fora da gaiola, mas dentro da escola de fato. Não podendo ser um parque de diversões, a escola pode e deve ser o local de incontáveis e prazerosas atividades e experiências de construção de futuros mais promissores.

Em que pese toda essa sensação de aprisionamento, é oportuno lembrar que, na verdade, a educação liberta, pois é estímulo de peso para a realização de novas e interessantes jornadas de vida.

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