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De pão em pão

18 de Maio de 2017, por Regina Coelho

O abel já tinha prática naquilo. Afinal de contas, com 11 anos já trabalhava com o Aldair, padeiro do Antônio (do Sérgio Procópio). E depois com o Jesus “Barbeiro”, então envolvido com padaria. Mais tarde, no Regimento, foi ser... padeiro. O Heitor trabalhava em SP, num outro serviço. Foi aí que o Abel o convidou para abrirem uma padaria em Resende Costa. Nascia assim a Panificadora Vale LTDA em fevereiro de 1963, numa época em que, segundo seus fundadores, “nenhuma padaria ia pra frente na cidade”.

Instalado na rua Assis Resende, o empreendimento passou a enfrentar os primeiros problemas. Um deles era a forte concorrência com São João del-Rei, aonde o pessoal daqui, por dependência quase total do município vizinho, ia com grande frequência e, como hábito, quase como obrigação, trazia de lá o pão. O produto feito aqui encontrou no comércio local seu principal comprador. Entregue em enormes balaios a donos de botequins e armazéns que o revendiam ao consumidor, foi chegando à mesa do resende-costense. Outra grande dificuldade era conseguir a farinha de trigo. Através da obtenção de cotas, os concorrentes já estabelecidos conseguiam comprá-la diretamente dos moinhos pagando menos, enquanto eles a compravam no mercado atacadista. Concorrentes também, carros vindos de BH e Barbacena, principalmente, chegavam a Resende Costa vendendo a praticidade e a durabilidade do pão embalado. Tempos difíceis aqueles! De resistência.

Típico da profissão, o trabalho dos dois começava cedo, às 3, 4 horas da manhã, no máximo. As funções eram divididas meio a meio, diferentemente da ideia inicial do Heitor de atuar somente como administrador do negócio. A quatro mãos, tudo era feito manualmente. Usavam cilindro, masseira e, como não tinham modeladora, faziam um por um o pão. Para garantir a produção do dia seguinte, a fermentação tinha início às 17h do dia anterior. Ofertando ainda roscas, rosquinhas, biscoitos de polvilho e demais quitandas, estendendo suas vendas até Coroas (Cel. Xavier Chaves), a padaria tinha uma particularidade interessante: num único ambiente, quem chegava lá via todo o processo de preparação dos produtos.

Em funcionamento até 2005, o estabelecimento dessa dupla empreendedora é agora página importante na história da panificação do município. Hoje, Heitor Vale, 78, padeiro aposentado e Abel R.Vale, 72, padeiro ainda em plena atividade por pura devoção a seu ofício, muito têm para contar sobre aqueles anos. E destacam, entre tantas passagens marcantes, as idas constantes de mães e crianças carentes até a padaria pedindo-lhes pão, que eles nunca negavam. Mas Heitor afirma que resolveu estipular um “regulamento” para disciplinar aquela situação. Ou seja, quem quisesse sua sacola de pães teria que contribuir com um feixe de lenha. E mais. Para evitar possíveis desavenças com terceiros, ficava claro que mourões e pedaços de madeira não seriam aceitos. O reconhecimento pelo que faziam vem hoje de muita gente que garante a eles jamais se esquecer daquele gesto de ajuda a quem muitas vezes não tinha o que comer.

“Uma experiência de vida muito boa”, assim Heitor resume o que representa para ele esse trabalho. E, sem falsa modéstia, garante: “a gente deixou boas lembranças”. E quem vem construindo outras histórias profissionais é o Abel, há cinco anos trabalhando no Supermercado N. S. da Conceição, para o Marquinhos, a quem elogia muito. Sobre a importância da Panificadora Vale, não deixa por menos: “estudei meus três filhos”, diz com natural e indisfarçável bom orgulho. Provocado a dar uma dica para se fazer um bom pão, esse vocacionado padeiro não vacila ao citar em primeiro lugar o capricho como requisito obrigatório, para depois acrescentar que é preciso colocar o pão no forno “na hora certinha”. E, palavra de quem entende, fazê-lo corar com o vapor.

O pão é símbolo do alimento e de todo esforço para consegui-lo. O ritual da massa formada e transformada tem a conduzi-lo mãos hábeis de padeiros. De gente como os irmãos Vale.

  P.S. Agradeço à minha tia Stela, irmã do Abel e do Heitor, a mediação essencial na produção do presente artigo.

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