Dos dados divulgados pelo Inep (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) sobre a última edição do Enem, chamou a atenção o grande número de candidatos que tiraram zero na prova de redação: exatamente 529.373 entre os concorrentes às vagas de acesso ao curso superior espalhadas pelo país.
Tendo trabalhado por muitos anos como professora de Português nos Ensinos Fundamental e Médio, portanto com razoável experiência nessa área, consultei os resultados oficiais do exame para comprovar o que já havia suspeitado em relação à causa principal de tão temida nota aplicada como eliminação sumária ao processo seletivo. Isso quer dizer que 217.339 redações (praticamente a metade do número apresentado acima) foram zeradas porque seus autores fugiram ao tema proposto.
A primeira questão fundamental da atividade dissertativa, modalidade exigida para o Enem, é identificar o tema a respeito do qual se vai escrever. Sem compreendê-lo, torna-se impossível desenvolvê-lo com acerto. A partir daí, é preciso tomar cuidado para evitar dois erros básicos na sua abordagem: a redução e a extrapolação. No caso aqui tratado, reduzir é abordar apenas uma parte, um elemento do tema ou um aspecto não fundamental. Ao que parece, na proposta de redação do Enem 2013, esse pode ter sido o problema dos que não se atentaram para a importância do termo “efeitos” no contexto do tema Os efeitos da implantação da Lei Seca no Brasil. Como resultado, o foco, de forma equivocada, passou a ser simplesmente a Lei Seca por si mesma. Situação oposta ocorre quando a argumentação ultrapassa os limites do tema proposto, tratando de outros assuntos, extrapolando o que é demarcado. Considerando a proposta do último Enem, seria o caso, por exemplo, de a importância da alimentação na infância ou a espontaneidade das crianças ganharem destaque no texto, sem que tenham qualquer ligação direta com o tema Publicidade infantil em questão no Brasil. Como se vê, nas duas situações ocorre um distanciamento em relação ao que deve ser abordado.
Pela ótica dos vencedores, o desafio de produzir bons textos passa por caminhos já conhecidos. Entre os candidatos que foram bem sucedidos, estão alguns dos destacados pela mídia como aqueles que obtiveram nota mil na redação do Enem 2014. Como chegar lá? Sem ser uma receita mágica, muito longe de qualquer simplismo, a explicação desses 250 meninos para seu próprio sucesso pode ser assim resumida numa soma de opiniões. Confira:
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Conhecimento das regras do Enem (até para evitar fugir do assunto ou copiar o texto motivador dado como referência, sem criar nada).
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Dedicação e disciplina ao estudo das técnicas dissertativas e a prática delas.
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Treinamento da escrita (norma padrão).
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Hábito da leitura (entre outros benefícios, como ajuda para o entendimento do tema e a formulação de argumentos que fundamentem o posicionamento das ideias a defender).
Eis aí a versão dos vitoriosos de hoje para o seu triunfo nessa verdadeira batalha em que se transformou o Enem. Quanto ao meio milhão de estudantes zerados e humilhados, eles não foram ouvidos, mas sinalizaram que não estamos conseguindo avançar na educação do país como gostaríamos. Grosso modo, a julgar pelo que esses textos nota zero revelam, e uma redação é um bom diagnóstico para conhecer a competência linguística de um aluno, estamos diante de um número significativo de analfabetos funcionais. Para quem não sabe, a condição de analfabeto funcional aplica-se a indivíduos que, mesmo capazes de identificar letras e números, não conseguem interpretar e produzir textos e nem realizar operações matemáticas mais elaboradas.
Sinal de alerta ligado para a realidade presente, é tempo de repensar nossas práticas educativas em favor de resultados menos vexatórios para o Brasil. Para começar, para os futuros candidatos por que não seguir as dicas de quem se deu tão bem este ano obtendo nota máxima na redação? Está dado o recado.