Toda virada de ano faz surgir uma infinidade de rituais e simpatias. Certas de que só serão felizes no ano novo (na verdade, logo, logo nada novo) se adotarem determinados procedimentos no dia 31 de dezembro, muitas pessoas preferem não arriscar a felicidade e fazem coisas no mínimo curiosas.
Segundo a crença popular, as simpatias devem ser feitas para afastar maus fluidos, para a pessoa ter dinheiro o ano inteiro, ter paz, tranquilidade e prosperidade, para atrair ou manter um amor, para o amor voltar, para ter sorte no amor, ter felicidade, enfim.
E vocês, caros leitores, como resolveram encarar o 1º de janeiro de 2010? Andei pesquisando e fiquei sabendo de muita gente que não perde a oportunidade de receber o ano que começa cercando-se de alguns cuidados. Entre eles, usar branco e deixar a casa bem iluminada com luzes e velas para receber com muita luz o novo ano. Ou subir em um degrau de uma escada ou em uma cadeira, com o pé direito, assim que dá meia-noite, para subir na vida. Ou ainda, caso a comemoração seja na praia, a dica é entrar no mar e pular sete ondas fazendo sete pedidos, um para cada onda.
A lista do que fazer ou não no último dia do ano é longa. Estamos em janeiro. Falar disso agora já era. Independentemente de acreditar nessas coisas ou de achar tudo isso uma bobagem, o mais importante é cultivar bons pensamentos e sentimentos, manter a fé e apostar no que a gente quer. Isso deve valer para todos os dias.
Saindo do âmbito restrito das simpatias típicas do final de ano e considerando também as outras (para curar bronquite, fazer criança andar ou falar, emagrecer...), chega-se facilmente aos inúmeros golpes aplicados por toda parte. Segundo especialistas, cresce muito nesta época do ano a incidência de casos envolvendo pessoas passadas para trás, ou seja, ludibriadas pelos espertinhos de plantão. Em comum entre as duas práticas, há apenas a boa fé de quem espera ter sorte para se dar bem. No entanto, se as simpatias se mostram inofensivas (a maioria, ao que parece, segundo a sabedoria do povo, quando não funciona também não prejudica ninguém), o mesmo não se pode dizer das inúmeras modalidades de golpes rondando os cidadãos, ainda que estejam em casa, supostamente a salvo dos golpistas, mas atacados via internet ou telefone.
Fazer a vítima acreditar, por exemplo, que ganhou um prêmio é golpe manjadíssimo, mesmo assim há quem nele caia. O “sortudo” precisa apenas fazer uma doação para ajudar uma criança doente e poder receber seu merecido carro ou moto. Simples assim. Em matéria recente, o Jornal Hoje (TV Globo) transcreveu parte de um desses telefonemas fajutos. Observem: “Um quilo de alimento não perecível. Agora o senhor vai ter três opção para fazer um depósito de um valor de R$300,00, ou num valor de R$400,00, ou num valor de R$600,00. O senhor vai opcionar para fazer uma criança feliz, que sofre síndrome de dálmata”.
Sorteios sem sentido e erros de português à parte, há muitas armadilhas ardilosamente preparadas por aí à espera dos incautos, dos desprevenidos e mesmo dos gananciosos. É isso mesmo, porque muitas vezes quem se ilude com planos e promessas mirabolantes de ganho fácil espera obter vantagens extraordinárias, o que pode tirar da pessoa a condição exclusiva de vítima.
Há aquele ditado que diz que “todo dia um bobo sai de casa”. Há também um outro que afirma coisa semelhante: “é preciso que haja bobos para os ativos viverem”. Ativos, no mau sentido da palavra, já que os que são ativos na boa acepção do termo sabem que as coisas boas não batem à porta de ninguém. Elas são conquistadas, jamais oferecidas como um negócio de ocasião. Como sempre, vale a velha máxima: “quando a esmola é muita, até o santo desconfia”.
PARA REFLETIR
AUSÊNCIA
Por muito tempo achei que a ausência é falta
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
Que rio e danço e invento exclamações alegres,
Porque a ausência assimilada,
Ninguém a rouba mais de mim.
(Carlos Drummond de Andrade) .
Do direito de sonhar ao dever de desconfiar
14 de Janeiro de 2010, por Regina Coelho