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Enquanto houver o sol

14 de Junho de 2020, por Regina Coelho

Ultimamente, sempre por causa dela, a atual pandemia, que vem estabelecendo uma nova ordem mundial, as pessoas estão buscando maneiras de seguir adiante. Nessa adequação, pelo menos para muita gente, velhos hábitos vêm sendo resgatados de um passado nem tão distante, como o de cozinhar em casa, caso daqueles que antes haviam se rendido à comodidade ou necessidade da ida a restaurantes e similares, agora fechados ou funcionando de modo restrito. De tudo o que está sendo incorporado como hábito a este novo cotidiano, nada é mais visível e representativo deste momento do que o uso de máscaras de proteção contra o contágio do coronavírus. Sem o aspecto impositivo dessas e demais formas de encaixe a esta outra realidade, o antigo costume de admirar a beleza do pôr do sol tem se mostrado em alta.

Gentil Vale, nosso saudoso conterrâneo, menciona em sua obra O tempo, esse itinerante – Memórias (1992) as Lajes da Matriz, pela tardinha, como um antigo e habitual destino de muitos moradores de Resende Costa, dele próprio nos seus tempos de moço, como testemunhas do sol se escondendo ao longe. Chegava-se, procurava-se um lugar estratégico no lombo negro do enorme bloco de granito. Ali se ficava longo tempo conversando, contavam-se anedotas, à espera do pôr do sol, um dos espetáculos mais deslumbrantes que já vi, relata ele.

Em fotos, imagens de vídeos ou ao vivo, o ocaso de mais um dia é colírio certo aos nossos olhos aflitos de agora. E também inspiração em outros tempos. Do poeta alemão Friedrich Hölderlin (1770-1843) busquei esta pérola:

 

Pôr do sol

Onde estás? A alma anoitece-me bêbeda/ De todas as tuas delícias; um momento/ Escutei o sol, amorável adolescente,/ Tirar da lira celeste as notas de ouro do seu (canto da noite)./ Ecoavam ao redor os bosques e as colinas,/ Ele no entanto já ia longe, levando a luz/ A gentes mais devotas/ Que o honram ainda. (tradução de Manuel Bandeira)

 

Em meio ao desassossego de hoje, é natural, instintivo até que nos apeguemos a tudo que nos traga um pouco de serenidade. Não por acaso, uma bela paisagem no horizonte se presta a isso. E não apenas pelo que há de esplêndido nas imagens do sol nascendo ou se pondo. Segue ele seu curso diário. Disso nos aproveitamos para a descoberta de aprendizados que nos permitem viver dias menos difíceis. Que falem por nós os versos de Mais uma vez (1986), parceria de Renato Russo e Flávio Venturini: “Mas é claro que o sol/ Vai voltar amanhã/ Mais uma vez, eu sei/ Escuridão já vi pior/ De endoidecer gente sã./ Espera, que o sol já vem.

Composto em 1973, o clássico brasileiro Juízo final, de Nélson Cavaquinho (1911-1986), possui uma letra profética, de apelo à resistência, bem apropriada ao momento: O sol há de brilhar mais uma vez/ A luz há de chegar aos corações/ Do mal será queimada a semente/ O amor será eterno novamente./ É o juízo final/ A história do bem e do mal./ Quero ter olhos para ver a maldade desaparecer./ O amor será eterno novamente. Na canção Luz do Sol (1983), de Caetano Veloso, os versos iniciais retratam com perfeição a presença desse astro possibilitando a existência das plantas, e consequentemente dos seres vivos. Vejam: Luz do Sol/ Que a folha traga e traduz/ Em verde novo/ Em folha, em graça, em vida, em força, em luz.

Dessas tantas poéticas palavras impregnadas de fé, força e esperança façamos nosso propósito de bem cuidar da vida mais do que nunca hoje. E muito mais do que ouvir como um mantra que tudo isso “Vai passar!”, que possamos nos reinventar como pessoas melhores já ao longo desta difícil travessia.

 

2020 atípico. No calendário, apesar do feriado vazio, o 2 de junho continua especial por tudo o que representa ao assinalar mais um aniversário de nossa cidade em seus 108 anos de emancipação política. És o mais belo mirante/ Que Deus já pôde criar. À lembrança desses versos do Hino oficial de Resende Costa, de autoria do poeta resende-costense Abel Lara, cabe dizer que o pôr do sol visto das Lajes de Cima, um dos símbolos de nossa terra, é, de fato, uma maravilha da natureza.

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