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Entre vizinhos

15 de Setembro de 2017, por Regina Coelho

A palavra “vizinho” vem do latim vicinu, que significa “próximo, que mora perto, vicinal, da aldeia”. Com exceção dos eremitas, que preferem viver em lugares ermos, isolados, vivenciamos todos a condição de vizinhos de alguém, situação essa propícia a toda sorte de relacionamentos.

“Vizinhos” (Neighbors - 2014), de Nicholas Stoller, é uma comédia que retrata a vida de Kelly Radner e Mac depois da chegada da primeira filha. Além de lidar com as novas tarefas ligadas à recém-nascida, o casal passa a viver seu dia a dia ao lado dos novos vizinhos: mais de 50 estudantes festeiros de uma república. Em “Vizinhos 2” (2016), a vizinhança da família é outra mas não menos barulhenta: um grupo de garotas, também estudantes.

Barulho! Esse é, com certeza, um dos maiores problemas enfrentados pelos que compartilham espaços próximos entre si. Do volume alto do som aos ensaios intermináveis de músicas, da presença ruidosa dos bichos de estimação às brincadeiras infantis (às vezes transformadas em vidraças alheias quebradas), do toc-toc do andar no andar de cima aos gritos e xingamentos ouvidos a distância como resultado de costumeiras brigas, as perturbações sonoras por que passam muitas pessoas em casa são muitas. E não é só isso. Desavenças por muros e cercas, por invasão de animais ao outro lado ou subtração dos mesmos, por fofocas e intromissões recíprocas costumam destruir ligações antes tão civilizadas ou mesmo amigáveis. E se a grama do vizinho parece mais verde, talvez a gente esteja olhando muito para a dele, sem nos lembrar de regar a nossa.

Por outro lado, nem tudo é barraco ou inveja nesse universo de pessoas vivendo próximas umas das outras. Exatamente por isso, principalmente nas pequenas cidades, a ligação com vizinhos tende a ser muito forte. Disso entendia bem a poeta Cora Coralina, mulher simples, nascida e criada na Cidade de Goiás (antiga Goiás Velho - Go), doceira de profissão e afeita à vida interiorana, para quem “vizinho é mais que parente, pois é o primeiro a saber das coisas que acontecem na vida da gente”. Bonitas e verdadeiras palavras, mesmo percebendo nelas uma possível segunda intenção de Cora ao dizer subliminarmente que aquele que mora próximo de nós “acompanha” a nossa vida de perto.

Definir o vizinho como o chá da horta, como minha mãe gostava de fazer, é uma boa metáfora – ambos verdadeiramente próximos e prestimosos. E da doce lembrança que dona Olga provoca em mim surgem também histórias ligadas a antigos vizinhos nossos. Alguns eram diferentes, como o pessoal da cadeia, então instalada na parte de baixo do Fórum de Resende Costa. Ou como a Zita e o Álvaro, sempre juntos e separados ao mesmo tempo, amparando-se mutuamente os dois irmãos, ainda que brigando muito. E na Casa Paroquial, cujos fundos fazem divisa com a nossa casa, havia o Mons. Nélson, seu ilustre morador por longos anos.

E houve uma época em que funcionou com perfeição um atalho que levava a gente e a família da dona Inacinha (vizinha do lado) até a praça Cônego Cardoso passando pelo quintal da dona Maria do Carmo, avó da Socorro Daher. Aquilo era uma coisa bonita de ser vista. Parecia uma rua particular, uma exclusividade nossa, fruto de um acordo entre as três famílias vizinhas.

Dos casos pessoais àqueles comuns a tantos é fato que a vida entre vizinhos mudou, é claro. Os biscoitos caseiros feitos em grande quantidade e os pedaços de carne em dia de matança de porco trocados com as vizinhas mais chegadas não circulam mais. A xícara de açúcar e os ovos emprestados em momento de urgente precisão parecem coisa do passado. As conversas dos adultos ao cair da tarde com a meninada brincando na rua que é de todos perderam força.

Ainda assim continuamos vizinhos de alguém. E não é preciso frequentar a casa dele e nem tomar cafezinho lá. Mas respeito, gentileza, educação e solidariedade são fundamentais para uma boa convivência com ele, o que é sempre um ganho nessa relação de proximidade entre as pessoas.

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