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Expatriados

21 de Dezembro de 2022, por Regina Coelho

“É uma história perturbadora, pois poucas pessoas abandonam a terra natal por vontade própria. Em geral, elas se tornam migrantes, refugiadas ou exiladas, constrangidas por forças que não têm como controlar, fugindo da pobreza, da repressão ou das guerras. [...] Algumas viajam sozinhas, com as famílias ou em grupos. Algumas sabem para onde estão indo, confiantes de que as espera uma vida melhor. Outras estão simplesmente em fuga, aliviadas por estarem vivas. Muitas não conseguirão chegar a lugar algum.”

com essas palavras o fotógrafo Sebastião Salgado, 78 anos, define o conteúdo do seu Êxodos, livro pertencente a projeto homônimo (que inclui uma grande exposição fotográfica), no qual é contada “a história da humanidade em trânsito”. Para tal empreitada, o brasileiro de Aimorés (MG), cidadão do mundo e um dos maiores expoentes da fotografia mundial, viajou ao longo de seis anos por vários países com o objetivo de documentar episódios importantes da migração humana.

Sabe-se que migrar é deslocar-se para outro lugar, país ou região. Mesmo sendo um ato espontâneo, tem a relevância de um rompimento, de uma mudança em relação a uma nova vida.

Para Alejandro G. Iñárritu, diretor mexicano de Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades, obra eleita pelo México para concorrer a uma vaga no Oscar de filme internacional, “migrar é morrer um pouquinho”. E explica que a pessoa se integra a uma outra cultura e, com isso, se desintegra da sua. E que nos 21 anos em que esteve fora de seu país, a cidade da qual saiu deixou de existir, as pessoas também deixaram de existir. E afirma que a sensação que tem hoje é a de ter uma identidade quebrada.

Se é assim para quem deixa sua terra natal pelo desafio, pela vontade de ampliar seus horizontes, como deve ser o caso de Iñárritu, fico imaginando o sentimento de quem, por sobrevivência até, lança-se (ou é lançado) ao desconhecido à procura de um lugar para simplesmente viver. Falando apenas do Brasil, um dos países que mais acolhem pessoas nessa situação, ocorre-me a lembrança de uma moça num restaurante em BH. Por alguns dias, tendo almoçado por lá algumas vezes entre setembro e outubro últimos, já que acompanhávamos nossa irmã/tia Guinha em tratamento médico, alguns de nós da família demos de cara com ela. Usando máscara, logo vinha nos perguntar, já sentados para o almoço, se queríamos beber alguma coisa. Melhor dizendo, era isso o que entendíamos. Com a boca coberta e num portunhol tímido de pouquíssimas palavras, nossa atendente se identificou para nós um dia como vinda da Venezuela a uma pergunta do meu irmão Zé sobre a procedência dela.

Como essa venezuelana, tantos outros apartados de sua terra há por aqui, também bolivianos, haitianos e de outras nacionalidades. Refugiados ou não, não encontram vida fácil, a maioria formada por indivíduos menos favorecidos socialmente. Não bastassem os passos inseguros em solo estrangeiro no enfrentamento dos primeiros e previsíveis obstáculos, são vítimas de preconceito e tratados com desconfiança.

Falemos de esperança, no entanto, e de empatia em relação a eles. Disso estamos precisados. Sem a perspectiva esperançosa de acreditar que podemos ser pessoas melhores, seremos antecipadamente sempre vencidos. Sem o propósito desejável de nos colocar na pele do outro, estaremos sempre em nós mesmos perdidos. Cultivemos, pois a esperança e a empatia.

Para esta última matéria do ano, escolhi tocar em assunto tão sério como é o êxodo, aqui tratado, porém, de modo superficial dada a sua complexidade e pela limitação deste espaço, mas com a inquietação profunda que devem suscitar em nós o destino e a vida dos expatriados.

Histórias perturbadoras como as contadas por Sebastião Salgado devem nos importar. Afinal, somos todos humanidade. Perto ou longe de casa, um Natal de paz a todos com a expectativa possível de um bom 2023.

 

P.S.: Dedico o presente texto a Rosalvo Gonçalves Pinto (in memoriam), para sempre entre nós.

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