Malala Yousufzai, 15 anos, levou um tiro na cabeça ano passado. A estudante paquistanesa foi atacada por talibans armados por defender o direito à educação para mulheres.
Ela se tornou conhecida ainda em 2009, aos 11 anos, quando assinava o blog “Diário de uma estudante paquistanesa” na BBC Urdu, site da BBC para o Paquistão. Na época, Malala comentava o impacto de medidas extremas do Taliban (movimento fundamentalista islâmico), que, naquele ano, havia fechado mais de 150 escolas para meninas e explodido outras 5 no Vale de Swat, uma região ultraconservadora do país.
O ataque contra a menina ocorreu no dia 9 de outubro de 2012, quando ela voltava da escola para casa, na cidade de Mingora, província de Swat. Dois homens armados abordaram a van escolar que transportava Malala e cerca de 10 crianças em uma congestionada avenida da cidade. Reivindicando para si a autoria do atentado, o Taliban, que já havia ameaçado de morte a menina, acusou-a de promover o secularismo (rejeição ao Islamismo).
Yousufzai, uma estudante alegre que queria ser médica antes de aceitar a vontade do pai e dela própria talvez para ser política, recupera-se hoje na Inglaterra e tornou-se um poderoso símbolo de resistência contra a privação do ensino às meninas paquistanesas.
A violência, a educação e as mulheres. Mas estamos no Brasil, dirão muitos. Isso não acontece aqui. E é fato. Nem por isso a indignação é menor. Nem nossa realidade, tão melhor. Se não falta educação para elas e para eles também, brasileiros, ainda que questionada em sua qualidade, sobra violência provocada por muitos deles para um número bastante expressivo de nossa população feminina.
Em favor do país, é justo reconhecer a criação de mecanismos de controle às agressões sofridas por mulheres vítimas de seus agressores em potencial – maridos, namorados, maníacos sexuais e até mesmo pais e parentes próximos. Um recurso é a aplicação da Lei nº 10.778, de 24 de novembro de 2003, que estabelece a notificação compulsória, no território nacional, em caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados. Outro é a observância da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, que tem como objetivo básico a coibição da violência doméstica com medidas penais mais efetivas impostas aos que nela se enquadrarem. Somente a título de triste curiosidade: Maria da Penha, a pessoa que inspirou a criação da lei que leva popularmente seu nome, é farmacêutica, por seis anos espancada brutalmente pelo marido, que tentou assassiná-la por duas vezes. A primeira, com arma de fogo, deixando-a paraplégica, a segunda, por eletrocussão (choque elétrico) e afogamento.
Estatisticamente, a violência contra a mulher é muito maior do que contra o homem. Venha de quem vier, é inconcebível. E, ao contrário do que possa parecer, ocorre em todas as classes sociais, certamente menos disfarçada nas camadas mais simples da sociedade. E se a cultura popular tenta trazer um pouco de leveza a essa questão propondo a proteção às mulheres ao defender que “em mulher não se bate nem com uma flor” pode também estimular a agressão contra elas sugerindo que “mulher gosta de apanhar”. Sem comentários.
Há quase seis anos ocupando regularmente como colunista o presente espaço, vinha até então relutando em escrever sobre tão desagradável assunto. Desta vez não consegui evitar a abordagem desse grave problema que, como se viu, não é exclusividade nossa. E o que faço não é tanto pelo Dia Internacional da Mulher, lembrado a cada oito de março, até porque, se a data existe, isso é sintomático. E os outros dias do ano não são nossos? Não se trata aqui de ignorar a importância desse dia para lembrar o episódio que teria dado impulso à luta das mulheres em busca de respeito à condição feminina. A história das trabalhadoras grevistas que morreram queimadas em Nova York numa fábrica de tecidos que foi incendiada já é bastante conhecida. Principalmente, esse dia deve servir de inspiração para mudanças justas que se traduzam em relações mais harmoniosas entre mulheres e homens.
Com todo respeito à trajetória de pelejas de tantas mulheres pelo mundo ao longo dos anos, o que me moveu a falar de nós, acima de tudo seres humanos, foi a comovente história da jovem Malala, tão corajosa e obstinada menina e já enfrentando um peso tão grande na vida. Por ela, por todas as vítimas da violência, incluindo os homens, que prevaleça nossa repulsa a toda forma de agressão. Quanto à propalada e muitas vezes incentivada guerra dos sexos, é mais sensato estender a bandeira branca e reconhecer que, não obstante nossas naturais diferenças, é possível, ou melhor, é necessária a convivência pacífica entre as pessoas.