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Foi mal!

16 de Marco de 2017, por Regina Coelho

Todo cuidado é pouco com as palavras, mesmo com aquelas que, sendo só ditas, segundo o dito popular, “o vento leva”. Isso nem sempre acontece. Elas podem ficar gravadas na memória de quem as ouviu pelo bem ou pelo mal. Nesse último caso, a situação ainda é pior quando são registradas, presentes materialmente como prova de que foram proferidas ou escritas um dia. O descuido do momento e/ou a incompetência linguística podem explicar o mau uso de certos termos, mas existem casos de intenção deliberada ou disfarçada na defesa e na propagação de ideias que levantam polêmica. Quando o recado tem como alvo o grande público, como acontece nas campanhas educativas, nas propagandas comercias e nos pronunciamentos de figuras ditas públicas e em circunstâncias igualmente públicas, responsabilidade social é o pressuposto a ser observado, sob pena de que equívocos de informação e avaliação prevaleçam. Vamos aos fatos.

Uma campanha recente do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil chamou a atenção de muita gente a partir de seu slogan: Gente boa também mata. Nos anúncios propriamente ditos, crimes de trânsito são relacionados a cidadãos que praticam boas ações, com o alerta de que todos podem cometer imprudências ao volante. A abordagem é confusa por associar atitudes negativas a pessoas bem-intencionadas.

Em três outras campanhas dirigidas ao universo feminino, os questionamentos foram inevitáveis. Na primeira delas, o conceito Gentileza urbana é: não assediar as mulheres nos pontos ou dentro dos ônibus é incorreto por afirmar que não assediar mulheres é uma forma de gentileza. Responsável pela série de frases conceituais inseridas no Jornal do Ônibus em BH, a BHTrans, com boa intenção, parece, chama de gentileza o que, na verdade, é uma obrigação ou um dever.

Na segunda campanha, o assédio às mulheres se repete, pelo visto, incentivado. É o que dá a entender a propaganda lançada pela Skol para o Carnaval 2015 com frases como: Esqueci o ‘não’ em casa e Topo antes de saber a pergunta. Considerado por muitos como um estímulo à perda de controle e ao desrespeito contra mulheres, principalmente numa época em que certos tipos de crimes contra elas aumentam, a mensagem enviesada contida nessas falas só poderia causar reação negativa nas pessoas. Percebendo o vacilo, a empresa recuou substituindo o texto polêmico por outro e reafirmando seu repúdio a todo e qualquer ato de violência.

A série de discursos infelizes se completa com a iniciativa da marca de roupas masculinas Aramis. Ao promover uma campanha paralela ao movimento Outubro Rosa (de 2016), o vídeo sugere greve dos homens para pressionar as mulheres a fazerem exame preventivo de câncer. Nas mensagens, eles aparecem dizendo coisas como: Eu não desligo o vídeo-game. Eu não tiro a camisa do meu time.(...) Sinceramente, homens, com honrosas exceções, não têm esse tipo de moral para fazer essa forma de chantagem com suas companheiras. Mulheres vivem mais do que eles, entre outras razões, porque vão mais aos médicos, fazem mais exames e cuidam mais da saúde.

Mantendo certa relação com o último exemplo, o que vem a seguir é uma declaração totalmente infeliz do ministro da Saúde do Governo Temer. Durante o lançamento em Brasília (agosto de 2016) de uma campanha para o aumento do número de homens atendidos pelo SUS, Ricardo Barros disse que os homens procuram menos o atendimento de saúde porque “trabalham mais do que as mulheres e são os provedores das casas brasileiras”. Se o que Barros disse fosse apenas uma opinião, seria o caso de respeitá-la, mesmo discordando dela. Acontece, porém, que a fala dele não procede em relação às duas justificativas nela presentes. A dupla carga de trabalho feminino e os mais de 40% dos lares brasileiros comandados por mulheres são fatos que desmentem o desinformado e atrapalhado ministro.

Sem mais palavras, liberdade de expressão, acima de tudo. Com bom senso, é claro!

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