Voltar a todos os posts

Hey, brothers!

16 de Marco de 2022, por Regina Coelho

Vem sendo assim desde 2002. Cercado por grande expectativa e planejado como trunfo certo de audiência e faturamento, a cada início de ano tem início o Big Brother Brasil, versão nacional do original holandês, criado pela Endemol, empresa detentora dos direitos do programa produzido e exibido pela TV Globo.

Sigo o BBB. Não com frequência diária, nem o tempo todo ligada no reality, mas o suficiente para dar os meus pitacos sobre o que acontece na “casa mais vigiada do país” e, sem nunca votar, fazer a minha torcida a cada rodada de provas para a escolha do(a) líder e a eliminação de um a um dos brothers até a grande final. Considerando as primeiras edições que acompanhei, não dava conta de entender direito as conversas sussurradas e entrecortadas entre os competidores. Com o tempo fui treinando o ouvido e entendendo aquilo como uma fala não voltada para os telespectadores, estrategicamente usada com o objetivo de não ser ouvida mesmo por uns e outros confinados.

Confinamento. Essa é a dinâmica do jogo proposto, por cerca de três meses, aos “moradores” de uma casa cenográfica observada por câmeras 24 horas por dia e vista por milhões de olhos atentos e curiosos aqui fora. Não por acaso, o nome de origem dessa famosa competição, também presente em outros países, é Big Brother, emprestado da literatura britânica, especificamente do livro “1984”, de George Orwell. No romance (publicado em 1949 e na lista dos mais vendidos da revista Veja atualmente), o personagem Grande Irmão é o líder supremo de Oceânia, lugar fictício de onde ele controla toda a população. Na história, todos os espaços públicos e privados são controlados por câmeras que monitoram, espionam e gravam a intimidade das pessoas. Trata-se de uma crítica ao totalitarismo, regime político não democrático. O olhar vigilante é o ponto comum entre a ficção de Orwell e o BBB. Nela, provocando reflexão sobre o controle do cidadão pelo Estado. Na atração global, proporcionando diversão.

E diversão, vamos combinar, quem não quer? É claro que nem todos acham graça no Big Brother ou têm paciência para acompanhá-lo. Acontece. Fica claro ainda, inclusive com advertência exposta na telinha, que é programa impróprio para criança. Sem uma proposta edificante, a ideia é provocar “fogo no parquinho”, expressão equivalente a treta, confusão, conflito. Tudo isso com o intuito de acirrar os ânimos entre os jogadores em busca do cobiçado prêmio à pessoa vencedora e/ou da fama instantânea tão sonhada por muitos. No que se propõe a ser, esse reality fica distante, por exemplo, do respeitado “Conversa com Bial”, talk show comandado por Pedro Bial, que nos seus tempos de BBB gostava de convidar o público a “dar uma espiadinha na casa”.

Segundo Maura Martins, jornalista, mestre e doutora em comunicação, a bisbilhotice alheia é característica inata do ser humano, que está sempre curioso para ver “como as pessoas vivem, convivem, reagem e qual é a sua essência”. E lembra ainda a pesquisadora gaúcha que, além do puro entretenimento, cada temporada do BBB acaba trazendo à tona questões que vêm sendo debatidas na sociedade, o que é bom. E acrescenta ainda que “ser popular não significa ser ruim”.

Sobre essa discussão envolvendo a qualidade do que é popular, lembro aqui um depoimento do humorista Renato Aragão:

“Tudo mudou no dia em que o poeta Drummond (sempre ele para mim) não atendeu à ligação de um repórter e disse que, naquele momento, não podia dar entrevista, pois estava assistindo “Os Trapalhões” (1974 - 1995). A partir dali, muitos passaram a assumir que viam o quarteto na tevê. Antes disso, diziam que viram um trecho enquanto passavam pelo quarto da empregada. Depois, passaram a nos assistir na TV da sala”.

Gosto e preconceito à parte, não se pode negar que a trupe formada por Didi, Dedé, Mussum e Zacarias marcou época no humor brasileiro. Inegável também é que o BBB segue sendo um fenômeno cultural.

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário