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Memorável criatura

16 de Agosto de 2020, por Regina Coelho

“A Dra. Zilda estava em uma igreja, onde proferiu uma palestra para cerca de 150 pessoas. Ela já tinha acabado seu discurso e estava conversando com um sacerdote que queria mais informações sobre o trabalho da Pastoral da Criança. De repente, começou o tremor. O padre que estava conversando com ela deu um passo para o lado e a Dra. Zilda recuou um passo e foi atingida na cabeça quando o teto desabou. Ela morreu na hora. A Dra. Zilda não ficou soterrada. O resto do corpo não sofreu ferimentos, somente a cabeça foi atingida. O sacerdote que conversava com ela sobreviveu. Já outros quinze sacerdotes que estavam próximos a ela faleceram.”

a mulher de que trata o texto acima é Zilda Arns, que nasceu em Forquilhinha (SC – 1934). Médica pediatra e sanitarista, foi fundadora – a convite do Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns (1921–2016), seu irmão, – e coordenadora internacional da Pastoral da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa, organismos de ação social da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). O tremor aí citado é o terremoto de magnitude 7, na escala Richter, que devastou o Haiti em 2010 e deixou dezenas de milhares de mortos e mais de 300 mil feridos, destruindo a maior parte de Porto Príncipe, capital haitiana. E o autor dessa nota sobre as circunstâncias da morte da brasileira é Flávio Arns, sobrinho dela e senador (Rede Sustentabilidade – PR).

Passados quase 11 anos dessa catástrofe, vivemos hoje tempos de pandemia. No Brasil, enquanto os meios de comunicação nos revelam o sofrimento dos afetados pela Covid-19 e o sufoco dos profissionais envolvidos no atendimento de tantas vítimas, certos nomes que identificam nas fachadas hospitais e unidades de saúde que cuidam desses doentes chamam a atenção pela homenagem que carregam. A denominação UPA Moacyr Scliar (em Porto Alegre) faz lembrar o gaúcho Scliar (1937 – 2011), médico especialista em Saúde Pública e professor universitário, que cumpriu também importante e reconhecida trajetória como escritor. A designação Hospital Leonardo da Vinci (em Fortaleza e Goiânia) é, até certo ponto, surpreendente, em se tratando de homenagear alguém que viveu há tanto tempo (1452 – 1519) e não foi diretamente ligado à área médica. É oportuno considerar, porém, que da Vinci era um polímata (indivíduo que estuda ou que conhece muitas ciências), tendo se destacado em variados campos do conhecimento e considerado por muitos o maior gênio da história da humanidade. No caso, com totais méritos, sem o uso banalizado desse rótulo.

Destaque à parte, Dra. Zilda, personalidade várias vezes indicada ao Prêmio Nobel da Paz, saiu de cena em plena atuação, num 12 de janeiro e estando longe de casa, mas perto dos que dela precisavam. A inscrição do nome Zilda Arns Neumann no prédio do Hospital Regional do Médio Paraíba, em Volta Redonda (RJ), evoca a vida e o trabalho humanitário de uma mulher notável. Essa situação se repete até na capital do Haiti. Das 3 unidades de saúde construídas pelo Brasil no país como parte do projeto internacional de sua reconstrução, uma delas é o Hospital Comunitário de Referência Dra. Zilda Arns. Em Curitiba, o Hospital Municipal do Idoso leva esse mesmo nome. E o antigo Hospital da Mulher, em Fortaleza, é agora o Hospital e Maternidade Dra. Zilda Arns Neumann. Há ainda por aí clínicas da família e centros de educação infantil “batizados” com essa significativa marca.

Vivendo meses de sobressalto por tudo o que estamos passando, boas histórias nos interessam. Boas ações também, que elas existem aos montes. Falemos, então, de uma boa história real através de um fragmento do último discurso de sua protagonista.

“‘Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos’ significa trabalhar pela inclusão social, fruto da Justiça, significa não ter preconceitos, aplicar nossos melhores talentos em favor da vida plena, prioritariamente daqueles que mais necessitam. Somar esforços para alcançar os objetivos, servir com humildade e misericórdia, sem perder a própria identidade.” – Zilda Arns   

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