- Bobagem a senhora dirigir – era essa a reação mais comum das pessoas quando se encontravam com Dalva Maria de Resende. Muitos que assim falavam tinham visto Dona Dalva dirigindo sua Rural ou simplesmente ficaram sabendo daquele feito. Tudo começou exatamente em 1966, quando ela comprou seu primeiro veículo, a já citada Rural, que, “tirada de primeira mão” em uma agência de Barbacena, foi seu único carro ao longo de incontáveis anos, circulando pelas ruas da cidade, pelas cidades próximas e trazendo sua corajosa dona da Fazenda do Val, onde morava com o marido, o Zé Resende. Na verdade, Dona Dalva precisava do carro para vir à missa, mas ele lhe valeu muito também para carregar doentes, mulheres que vinham ter filho na cidade e mesmo trabalhadores que se acidentavam ou eram picados por cobra.
Um fato curioso, ao mesmo tempo compreensível para aqueles anos, é que essa motorista de tantos préstimos para muita gente, principalmente numa época em que os carros não eram tão comuns como agora, não tirou sua carteira de habilitação. Ela até começou a fazer o curso de legislação ou a “estudar a sinalização”, como prefere dizer, mas “encravou” no exame de vista. Adoeceu e ficou descrente de ir até o fim naqueles testes todos. E como reforço à sua convicção de que aquele documento não lhe seria tão necessário, ouviu de uma pessoa ligada àquele ambiente de exames que ficasse tranquila, pois mulher e padre nunca eram parados nas operações de fiscalização. Mesmo assim, por precaução, quando viajava para longe, Dona Dalva levava um motorista habilitado para garantir a tranquilidade da viagem. Entre eles, lembra os que lhe deram as instruções sobre como dirigir: o Zé do Alípio, um filho do Zé do Nico cujo nome esqueceu e o Cici do Joaquim Batista.
Quando indagada a respeito de algum possível acidente que pudesse ter sofrido ao volante, a provável mais antiga motorista de Resende Costa recorda-se de um passeio a Ritápolis, na companhia do Padre Antenor (seu irmão). Já na volta, por um vacilo seu, o carro saiu da estrada, bateu numa pedra e arrebentou o radiador. Nada mais grave, só que eles tiveram de voltar em outro carro.
Hoje, aos 79 anos, aposentada, Dona Dalva não dirige mais, por isso a bonita Rural Willys azul com tração nas quatro rodas, companheira fiel de inúmeras jornadas, foi vendida. Saudades daqueles tempos? Pode ser, mas acima de tudo orgulho de quem até “trocava roda” (pneu) e nunca ficou parada na estrada.
Quem também guarda uma boa história para contar é Elzi Lara Santos, 73 anos, aposentada, que afirma ter se tornado proprietária de um Volks branco por puro acaso, já que não sabia nada de carros e nem tinha interesse por isso. O responsável pela mudança foi o Toninho da Dona Zizina, quando sugeriu que ela comprasse um carro e ele mesmo o trouxe para Resende Costa.
Final da década de 70. Era o tempo da Pensão da Elzi. E chegou o dia de encarar o desafio de dirigir pela primeira vez. Elzi estava acompanhada de sua filha (a Mara) e do Bita do João de Paiva, que simplesmente lhe passou o carro. O resultado não foi dos melhores. Depois, a Maria Helena da Dona Zizina lhe deu algumas boas explicações e também o Ercílio da Anita do Lado.
Na pensão, o pessoal se divertia com as histórias dos insucessos que aquela aprendiz de motorista contava. Foi aí que o Clóvis, hóspede da casa e mecânico que prestava serviços à Serveng Civilsan, em razão das obras do asfalto, então em andamento, recomendou-lhe o seguinte:
- Não conte suas mancadas para ninguém, todo mundo comete as suas.
Recomendação aceita, aulas já menos desastrosas e ensinamentos finais com o Élcio Maia e a tão merecida carteira de motorista foi tirada em 1980. Na condição de habilitada, Elzi passou a dirigir sozinha e sem deixar de observar como as pessoas ficavam admiradas com aquela situação. Verdade seja dita! Algumas piadinhas machistas ela também ouvia. Conhecem aquela manjadíssima? “Mulher ao volante,...” Pois é!
Faltava, porém, ir a São João del-Rei dirigindo, um teste quase obrigatório para quem mora em Resende Costa, tira carteira e quer dirigir na estrada. Estava tudo planejado. A ideia inicial era chegar até a rodoviária velha e chamar o Jair Chaves, ali perto, para levar o carro ao centro. Um bêbado inoportuno e insistente impediu que a Elzi deixasse a filha pequena e com a perna engessada sozinha no carro, ainda que por alguns minutos. O jeito foi enfrentar o trânsito até o hospital para que a Mara se livrasse daquela “bota” incômoda. Da segunda ida a São João, mais adrenalina. Um rapaz bateu no carro dela e ainda se achou no direito de lhe dizer besteiras. “Muito homem acha que a gente por ser mulher vai ter medo deles”, afirma Elzi, que lembra ainda que, naquele dia, contou com a ajuda do Luizinho Chaves e do Almênio (que tinha sido coletor estadual em Resende Costa), que presenciaram aquela cena. O moço criador de caso? Ah, rápido, rápido mudou a afinação do seu discurso.
- Ando devagar, finaliza nossa tranquila motorista, com a certeza dada pelos muitos anos rodados por aí de que mais importantes mesmo são o cuidado com a vida e a volta segura para casa.
Mulheres ao volante (2)
14 de Dezembro de 2010, por Regina Coelho