Conversando um dia com seu tio Né (o saudoso Né do Chico Daniel), Maria da Penha Pinto, hoje professora aposentada, 69 anos, pediu a ele que lhe comprasse um carro. O que para ela pareceu ser uma simples brincadeira foi levado a sério pelo Né. Tanto é que, no dia seguinte, precisando ir a São João Del Rei, ele viu um veículo que lhe caiu no agrado, reservando-o para a sobrinha. “Eu entrei na dele, arrumei um empréstimo e comprei o carro”, afirma Maria da Penha.
O carro em questão era um Volkswagen 57, de cor branca. Mas faltava o principal, que era “botar a mão na massa”, ou melhor, no volante, para finalmente aprender a dirigir. Penha revela que, naquele tempo, ela não sabia nem quantos pedais havia num carro, muito menos que havia o câmbio, alavanca responsável por ditar as marchas. Vieram então as primeiras instruções dadas logicamente pelo Né e também pelo primo Amadeu e sucedidas por bastante treinamento. Em setembro de 1977 e cumpridas as exigências de praxe, Maria da Penha se tornou motorista oficialmente habilitada, completando, portanto, em 2010 33 anos de habilitação. “Fui a primeira mulher resende-costense, residente aqui, habilitada...Na época havia outras, mas não residiam em Resende Costa”, assegura ela com natural e indisfarçável satisfação.
Mas, entre tantas viagens pela nossa região, houve uma que lhe trouxe um certo aborrecimento. Maria da Penha conta que um dia, ao contornar o praça da Matriz da Piedade, em Barbacena, foi surpreendida por uma motorista que subia uma rua através da qual se chegava até a praça. A tal mulher acabou batendo na traseira do carro dirigido pela Penha, quebrando o farol traseiro da direita. Segundo ela, o susto foi grande, pois, além de tudo, no banco de trás estava uma criança, que naturalmente, chorou muito por tudo aquilo.
Momento ruim à parte, nossa conversa agora se volta para as lembranças curiosas ligadas às reações das pessoas quando viam aquela principiante e já cautelosa motorista dirigindo seu carro pela cidade. Enquanto algumas se espantavam com a cena e diziam simplesmente “que coragem!”, outras afirmavam num misto de pessimismo ou mesmo de uma certa inveja (como saber?) que ela não conseguiria tirar a carteira por não ter coragem para tal. Reação bonita vinha dos que ficavam felizes vendo a Penha ao volante: “Que chique! Nossa professora tem carro”. Tinham razão os alunos daquela professora de matemática. Não tanto pelo carro, mas é mesmo chique a gente ter a coragem de enfrentar desafios.
Outra forma (quase obrigatória até) de entender a ligação pioneira das mulheres de Resende Costa com o carro é conhecer um pouco da história de Maria das Graças Vieira Mendes, a popular Gracinha do Zé Padeiro. 62 anos, comerciante ambulante aposentada, ela conta que na família todos os homens, exceto o pai, eram motoristas. Vendo os irmãos dirigindo, principalmente o Nonô e o Paulo, foi aprendendo com eles. Antes dos 18 anos, já dirigia os carros que o “seu” Zé Padeiro comprava.
Tanta naturalidade em sair simplesmente dirigindo deve explicar o entusiasmo pela aquisição do primeiro veículo, um modelo Vemaguete marrom que Gracinha, ainda sem carteira, comprou de um rapaz de Barbacena. Mais tarde, o DKW Vemag (nome oficial da perua) foi substituído por uma Rural comprada do Zé Manganga. A condição de motorista precoce, no entanto, não lhe valeu de imediato a obtenção da carteira de habilitação, que foi tirada em 1980. Segundo ela, o exame de rua foi realizado em Barbacena, “num caminhão Detroit” pertencente à Serveng Civilsan, empresa dos irmãos Penidos (de Resende Costa) e responsável pelas obras do nosso asfalto (entroncamento da BR 383, batizado oficialmente Rodovia Alfredo Penido). Naquela época, a pessoa candidata a uma carteira levava o carro no qual o teste de rua era feito. Como Gracinha era fornecedora de frangos para a Serveng e administrava a cozinha da firma, conseguiu que o Karimata, um engenheiro da firma, emprestasse a ela o tal caminhão. E por mera curiosidade, só para situar melhor os leitores mais jovens ou mais esquecidos: o acampamento da companhia funcionava em área alugada pelo João do Cornélio, onde é hoje a casa do Carlinhos do Ivan.
Sem qualquer história pessoal para contar sobre eventuais acidentes ao dirigir e revelando que, além de carro, dirigia moto e andava a cavalo pra todo lado, Gracinha (“um monumento de Resende Costa” nas palavras de César da farmácia) afirma que “ninguém nunca falou nada” sobre tais ousadias. Ela sabe, porém, que indiretamente muitos a chamavam de meio louca ou mulher macho. E acha graça disso a Gracinha, detentora orgulhosa de carteira de motorista categoria D. Louca ela? Só se for pelas boas aventuras da vida, uma marca dessa verdadeira profissional do volante. Pela valentia, uma mulher-macho sim, senhor.
Mulheres ao volante (3) - Final
10 de Janeiro de 2011, por Regina Coelho