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No rastro da onça

13 de Fevereiro de 2012, por Regina Coelho

Desde a Idade da Pedra, o ser humano adora se cobrir com peles de animais exóticos. Felizmente, a Revolução Industrial da virada do século XX fez surgirem estampas felinas pintadas em tecido, sem a necessidade de abate aos animais em questão. Verdade é que as estamparias de zebra, cobra e onça, principalmente, são um clássico da moda. Entra estação, sai estação e elas têm se mantido em alta. No topo dessa preferência quase exclusivamente feminina, a estampa de oncinha é aposta certa nos detalhes das roupas, em peças inteiras, calçados, acessórios (cintos, brincos, broches, lenços, pulseiras, bolsas...) e uma infinidade de outros itens.
 
Onças pintando nos looks, as “oncinhas” estão por aí colocando as garras de fora. O estilo nada discreto faz lembrar a força e o exotismo das onças de fato e confere às adeptas desse modismo presença física marcante, como acontece com quem o inspira.
 
Pessoalmente falando, essa não é minha praia, ou melhor, minha selva ou meu estilo. Muito menos tenho ligação alguma com bichos e nunca tive qualquer bichinho de estimação. Respeito-os, mas chego a ter fobia em relação a muitos deles. Paradoxalmente, mantenho, desde criança, uma certa atração no que diz respeito à vida dos grandes animais selvagens, entre eles a onça (o jaguar ou jaguara, que em tupi-guarani significa “o que mata com um salto”).
 
Histórias envolvendo onças chamam minha atenção. Lembro o saudoso Euclides da Marta, que me contou, certo dia, ter perdido um irmão, segundo ele, “pras bandas do Mato Grosso”, provavelmente devorado por uma pintada. Registro também o relato pessoal de quem, estando no Pantanal mato-grossense, me garante ter visto um belo exemplar desse felino, bom nadador que é, atravessando o rio, atingir a margem dele e sumir, sem dar tempo de um registro fotográfico à altura daquele momento único. Coisas de arrepiar!
 
Surpreendente é a história da fazendeira Beatriz Rondon, 69. Por trás da máscara de protetora da fauna, ela promovia safáris em sua fazenda recebendo caçadores, a maioria deles estrangeiros, que pagavam 30 mil dólares para matar onças pintadas. Denunciada em 2011 através de um vídeo enviado anonimamente à Polícia Federal, a proprietária da Fazenda Santa Sofia, que fica no município de Aquidauana, no Pantanal do Rio Negro, é vista nas imagens caçando e abatendo duas onças: uma parda e uma pintada.
 
É espantoso saber que a dona de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN, como é classificada a “Santa Sofia”, propriedade de 35 mil hectares) era citada como um exemplo de guardiã da fauna, principalmente das onças pintadas. Fico tentada a chamar essa caçadora em pele de ambientalista de “amiga da onça”, que em linguagem figurada significa amiga falsa. Levando essa expressão ao pé da letra, no entanto, concluo que amiga da onça é tudo o que ela não é.
 
E mencionando essa expressão popular, constato que, linguisticamente, a onça está bem presente no nosso dia a dia. Vejamos: quem ainda não disse que alguém “virou uma onça” em um certo momento? Ou então que determinado sujeito está com um “bafo de onça” daqueles? Ou mesmo que não se deve “cutucar a onça com vara curta”? E quando se sabe que é “hora da onça beber água”? Assim dizendo: “hora da onça beber água”, e não, como determina a norma culta “hora de a onça beber água”. É fato que hoje já não se fala em “leite de onça”, bebida preparada com cachaça e leite condensado, mas muitos lançam mão do “tempo do onça” quando se referem a uma época distante. É interessante ainda observar como muita gente não se dá conta de que carrega no bolso ou na bolsa, através da estampa que ilustra as atuais notas de 50 reais, a personagem desta matéria.
 
Habitando o imaginário dos inúmeros contadores de histórias ou vivendo em florestas e em ambientes abertos como o Pantanal e o Cerrado, a onça é o maior predador das Américas, não existindo, portanto, outro animal acima dele na cadeia alimentar. Apesar do porte avantajado, é ágil e arisca. Mergulha, salta, corre, sobe em árvores e tem os sentidos muito aguçados. Não mia como a maioria dos felinos, emitindo uma série de roncos muito fortes que são chamados de esturros. Quando caça aves, porém, sabe imitar o seu pio para atraí-las. É capaz ainda de seguir a sua vítima por horas, sem ser notada. Quanta esperteza!
 
Pesquisando sobre o tema aqui tratado, observei que há uma boa bibliografia a utilizar. Destaco o livro “Jaguar: o rei das Américas”, do ecólogo Evaristo Eduardo de Miranda e da jornalista Liana John (Editora Metalivros). A obra se divide em duas partes e reúne aspectos históricos, ecológicos, mitos e significados culturais relacionados a esse animal, com foco voltado para a urgência na preservação da espécie, já reduzida à metade.
 
Poder (não por acaso, “Jaguar” é marca de carro que sugere velocidade e potência) e beleza (porte e pelagem admiráveis) são atributos das onças e talvez expliquem o fascínio que elas podem exercer sobre os humanos.

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