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Nossa essência mineira

13 de Dezembro de 2020, por Regina Coelho

o desmembramento da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro em Capitania de São Paulo e Capitania de Minas Gerais, decisão do Conselho Ultramarino e determinação do Alvará Régio de 2 de dezembro de 1720, de D. João V, rei de Portugal, assinala o início da existência administrativa do território mineiro. Definitivamente já lembrado por uma pandemia que mudou o rumo e o ritmo de nossa caminhada, este tricentésimo ano de criação da Capitania de Minas bem que merecia um destaque maior nas mídias, compreensivelmente dominadas por questões mais urgentes. Mas essa marca não pode ser esquecida por tudo o que representa para nós, os nascidos nestas Minas Gerais e parte dessa tricentenária história. Muito mais do que simplesmente não esquecer essa data, é oportuno considerar o que ela sugere como modo de entender quem somos na condição de mineiros e como Minas existe dentro de nós.

Para começo de definição, somos quase todos bairristas, da mesma forma que assim também deve se definir a maioria dos não mineiros em relação a seus respectivos lugares de origem. Esse termo costuma vir carregado de uma conotação negativa, pois a ele está vinculada uma visão estreita de mundo que menospreza tudo aquilo que é de fora, ao mesmo tempo expressa em adoração exagerada pela terra natal. Considera-se aqui o bom bairrismo, uma atitude positiva de amor e orgulho por Minas, que são muitas, já dizia o mineiro Guimarães Rosa.Mas mesmo assim nossa identidade mineira é única, uma questão de mineiridade. Aproprio-me da opinião do também mineiro Fernando Sabino quando disse que tinha chegado à conclusão de que: “se existe uma coisa chamada ‘mineiridade’, consiste em não tocar nunca mais nesse assunto. Isso tem que ser mineiro: não tocar nesse assunto”. Mineiro é assim, nós nos entendemos.

Na estreia do programa Conversa com Bial, em maio de 2017, a ministra do STF Cármen Lúcia roubou a cena ao ser entrevistada pelo jornalista. Ao falar sobre Minas e os mineiros, monopolizou a conversa com uma prosa divertida e inteligente. A certa altura da entrevista, ao ser indagada se a Carminha era a queridinha do pai (Florival Rocha), mineiramente respondeu: “Também se fosse, eu não falaria”. E Bial não resiste: “Eh mineirice!” E ela: “Tô aprendendo porque na verdade, Pedro, eu queria ser mineira, mas eu sou geraiseira. E você sabe que são duas coisas completamente diferentes. O mineiro toma a banana do macaco, deixa o macaco satisfeito, agradecido e devendo favor, com uma facilidade impressionante. O geraiseiro briga com o macaco quando o macaco pega a banana dele. O Gerais é o descampado, é o sertão. Minas é das sombras, das minas, isso, claro, sem nenhum fatalismo geopolítico. Mas é claro que isso orientou (os mineiros)”. Mais adiante, continua: “E o mineiro tem uma coisa maravilhosa. Ele fala assim: ‘Passa lá em casa.’ ‘Passo lá mais tarde.’ Quem convida não deseja, quem aceita não acredita. Não tem erro, esse encontro não acontece e ninguém fica com raiva”. E prossegue: “A boba aqui faz isso. Convida só quem gosta. E aí fica lá esperando com seu bolinho. A pessoa não aparece e eu fico de mal porque não apareceu, ué. Porque me deu o cano.” Bial comenta que adora a expressão mineira “fala mais do que pobre na chuva”. E a ministra afirma que tem uma melhor: “como diz o outro”. Ninguém sabe quem é o outro, nunca dá processo porque não foi você quem disse, quem disse foi o outro, agora, ninguém sabe quem é o outro. É uma beleza. Eu adoro.

Também adoro! E sem “inventar moda”, recorro a Drummond (“espírito mineiro, circunspecto talvez”) em sua melhor tradução sobre nossa essência mineira.

A palavra Minas

Ninguém sabe Minas (...)

Só os mineiros sabem.

E não dizem nem a si mesmos

o irrevelável segredo

chamado Minas.

Na reta final deste 2020 de difícil travessia, desejo um Natal possível a todos. Com a celebração que o bom senso nos recomenda e algumas doses de energia extra para resistir a tudo isso que está aí.

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