O dia 14 de dezembro foi especialmente feliz na casa da dona Zezé e do Alcides Lara graças à chegada de Olga, filha do casal ansiosamente aguardada. Tendo já como irmãos Vera e José Alencar (Dezinho, falecido aos 12 anos em um acidente com arma de fogo), frutos do primeiro casamento do pai, vieram-lhe os outros irmãos: José, Otto, Ana, Custódia, Celso, Alcides, Paulo, Maria (Lilia) e João (falecido aos 13 anos vitimado pelo tétano). Sob o olhar atento e constante da mãe, foram crescendo juntos, desfrutando anos inesquecíveis de uma bonita convivência. Infância e adolescência vividas intensamente, o quintal da casa de número 21 da Praça Dr. Costa Pinto chegava até as Lajes “de baixo”, um extenso território a perder de vista aos olhos da criançada. Nele, pela fartura e gostosura dos frutos, destacavam-se entre as muitas árvores as jabuticabeiras, de que eram “donos” os filhos de dona Zezé, cada um com a sua escolhida e protegida. Aquilo era o próprio paraíso para eles, lugar de algazarras e traquinagens.
Já mocinha, ajudando a mãe no cuidado com os meninos mais novos, ora fazendo tricô, arte em que era exímia, ora cantando no Coro Paroquial, condição na qual, ensaiada pelo tio, padrinho e maestro Quinzinho, cantou o Pange língua e foi Verônica na Semana Santa; ora jogando vôlei como levantadora, Olga tinha uma tarefa que cumpria com grande prazer. Era dela a responsabilidade pela manutenção da biblioteca do pai, o que certamente acentuou seu gosto pela leitura.
Em fevereiro de 1946, casou-se com o jovem Adenor, que, ainda menino, das Lajes, já a observava transformada na artista Sudária em brincadeiras de circo com os irmãos em algum ponto daquele mesmo encantado quintal.
Vida nova, casa nova e nova família se formando. Magda, Marlene, Elmo, Amadeu, Fátima, Regina, José Celso, Olga e Maristela compunham com os pais um entrosado time que, por exemplo, cabia perfeitamente no carro da família (quase sempre uma Rural) para os inúmeros passeios feitos pelos onze. Coisa impensável nos dias de agora. Anos de muita alegria para todos e muito trabalho para os pais. Momentos difíceis também. E dona Olga, ao lado do marido, sempre forte, calma, equilibrada e religiosa. A devoção a Nossa Senhora presente até no nome das filhas, todas elas Maria. Disso ela fez absoluta questão.
Filhos criados e formados, a saudade dos que se foram é imensa, mesmo assim a família cresce, mantendo-se unida em torno daquela magnífica figura de mulher. Sem o nosso pai, nossos sobrinhos falecidos, sem a Magda e o Lúcio, dona Olga segue em frente, à frente de todos nós, impondo-se pela personalidade única, cuidando de sua prole. Até que, naturalmente, sem se fazer aperceber, foi chegando a hora de a gente tomar conta dela.
Na rotina diária de quase seis anos nos cuidados diretos com ela, nada de cama, a não ser nos períodos de alguns sobressaltos com a saúde. No mais, disposição total para o trabalho em forma de pequenos consertos de costura feitos à mão ou usando sua prestimosa máquina. Ou ainda tricotando sapatinhos de bebê para a Irmã Ernestina usar nos recém-nascidos da Santa Casa deles necessitados. Na cozinha, bolos feitos para o “batalhão”, lombos temperados com maestria, a couve picada bem fininha e os doces de figo de todo ano. Nos horários de descanso, os livros lidos e poupados só para a história não terminar logo, outros consultados com frequência como o da irmã Vera sobre a genealogia da família, o calhamaço de 498 folhas sobre as cidades mineiras, também procuradas por ela no grande mapa exposto na parede do escritório de nossa casa e os incontáveis livrinhos de caça-palavras. Nas sessões de casos engraçados, o talento incomparável da contadora mais experiente da turma. Em casa, comunhão aos domingos, missas e programas religiosos pela televisão e pelo rádio, os horários sagrados das orações diárias, o terço das quintas-feiras rezado com os presentes, a visita mensal da Mãe Rainha... Em tudo, alguém da família sempre por perto.
Como lembrou seu filho Zé, “nossa mãe rezava todos os dias para não perder a memória (e assim foi). Com ela aprendemos muito, rezamos muito, cantamos muito, nos divertimos muito... Deu tempo para cuidarmos dela e desfrutar todos os dias de sua companhia. Até que ela descansou. Como sempre, serena e bonita”.