Transformar em quê?
“A pergunta dirigida à irmã mais velha era despretensiosa, durante uma conversa simples de família: “o que era feito com o lixo no tempo em que não havia coleta nas cidades?” A resposta que veio do alto da experiência da irmã mais velha é que levou à reflexão: “Lixo, que lixo?” As famílias praticamente não produziam lixo. A que época eles estavam se referindo? À metade do século passado, provavelmente, ou seja, apenas algumas décadas atrás.
Lixo, que lixo? O leite da “vaquinha” pressupunha a devolução do litro que, lavado e desinfetado, voltava com o branco produto no dia seguinte. Isso nas capitais, porque no interior cada um levava sua “leiteira” até a esquina para pegar o leite medido na hora. O leite era da vaca, não era “de saquinho”, como dizem as crianças de hoje. Aliás, nem de saquinho é mais; agora, é “de caixinha”.
Para buscar o pão quentinho na padaria, cada um levava uma sacola impecavelmente limpa, de pano. A merenda dos meninos ia em vasilhas, muitas vezes de vidro, que deveriam voltar para casa incólumes, sob pena de punição. Tinha latas, como as de sardinha, que eram esfregadas no cimento para serem abertas. Viraram, depois, um vasinho, um enfeite ou eram, de certa maneira, recicladas em oficinas que faziam engenhosas vasilhas com os recipientes usados. O cigarro, que nem tinha filtro para ser jogado na natureza, era todo queimado.
Não valia deixar restos de alimento no prato, porque comensal, naquela época, não podia ter o olho maior que a barriga: o que era servido tinha que ser comido. Isso, certamente, diminuía a “sobra”, mas a que havia era utilizada para engordar porcos no quintal da própria casa ou na do vizinho. Era a “lavagem”, que consistia em restos de comida, cascas de abóbora e mandioca, água servida na cozinha etc e tal. Tudo o que podia ser dado aos porcos, menos pérolas, evidentemente. Sem contar que a “lavagem” era embalada em latas grandes, usadas até que, furadas e podres, não serviam para mais nada, não fosse a possibilidade de plantar um vaso, que agradecia os furinhos por onde saía o excesso de água.”
(...)
Pois é... Pegando carona no texto acima, que adorei, extraído da coluna “POIS É...”, de Mauricio Lara (ESTADO DE MINAS, caderno GERAIS), proponho, como acréscimo, que a gente recue um pouquinho no tempo para lembrar ou conhecer melhor como vivíamos já fazendo, por pura necessidade e bastante naturalidade, a tal reciclagem, hoje tão decantada. No quesito “merenda dos meninos”, havia os muito duráveis embornais (ou bornais) e guardanapos de pano. O café ou o suco eram levados em vidros aproveitados de embalagens de remédio. Sempre os mesmos vidros que, por sinal, também podiam ser vendidos para a farmácia, que os aproveitava para embalar novos remédios manipulados. As já surradas latas de banha ou de biscoito se transformavam em latas de assar quitandas, antecipando o surgimento, penso eu, dos populares tabuleiros de agora. E assim eram feitos ainda canecões, frigideiras, ...
A economia doméstica estava garantida como uma infinidade de recursos. Vejamos! As desgastadíssimas roupas dos maiores podiam ser reaproveitadas, ou melhor, recortadas para os menores. Lençóis e outros panos velhos, quando não viravam fraldas (ou tapinhas, pequenas peças de utilidade múltipla), eram cortados em tiras para as tecedeiras fazerem colchas. Cascas de laranja eram postas para secar e depois alimentavam o fogo do fogão a lenha; outros resíduos podiam ser jogados às galinhas, presença certa nos quintais, de onde se podia colher também o café. Claro, os grãos. E depois vinha aquele trabalho todo de transformá-los em pó. Vasilhas e talheres brilhando? Efeito infalível de uma boa porção de areia esfregada sobre as peças. Isso porque não se podia contar com as indefectíveis esponjas de aço de hoje, em compensação, também não havia o problema sobre o destino delas pós-uso. Mesmo a água, em tempos de banhos de bacia, servia depois para apagar a poeira.
Em matéria de abastecimento das casas, muita coisa vinha embalada em palha, dentro de resistentes balaios de bambu, como o queijo, por exemplo. Muitos levavam a mercadoria adquirida nos armazéns em sacos de pano ou de aniagem, sempre disponíveis para novas compras.
Pois é... “Não dá para voltar no tempo, porque a produção de lixo é marca indelével da modernidade”, concordamos todos com o colunista aqui citado. O mundo hoje é outro. É muita gente consumindo cada vez mais e acumulando lixo de toda ordem, parte dele de destinação complicada, como acontece com as pilhas, as baterias de celulares, as lâmpadas fluorescentes e os papéis metalizados ou plastificados. Não se trata de andar para trás, mas é fato que precisamos ser desenvolvidos também para encontrar soluções para o lixo nosso de cada dia.
P.S._Tive como parceira entusiasmada na produção desse texto minha mãe, a quem agradeço por muitas das informações aqui contidas.
ANIVERSÁRIO DE RESENDE COSTA
Levando em consideração que o cidadão habita o município, nele atuando e aí convivendo com seus pares, o país e os estados podem ser considerados meras abstrações. Não é novidade alguma dizer isso, mas é sempre oportuno lembrar que a cidade onde moramos é a nossa primeira e principal referência, e mais, é aquilo que fazemos dela.
Ao ensejo dos 96 anos de emancipação política de Resende Costa, é preciso reafirmar nosso propósito de levar adiante o projeto de construir nossa cidade a cada dia. Resende-costenses natos ou filhos carinhosamente adotados, queremos todos uma Resende Costa cada vez melhor. Não é o caso simplesmente de esperar e cobrar que as autoridades legalmente constituídas cumpram o seu papel. Isso é pouco. Atitudes simples e pessoais como o respeito ao patrimônio público, a convivência pacifica e a preservação do meio ambiente são alguns exemplos do que é possível fazer cotidianamente. E fazem toda a diferença.
O ano é de eleições municipais. É saudável, é democrático que seja assim. Elegeremos alguns de nós como representantes de todos. E os eleitos são o reflexo do que pensamos, e desejamos, são a nossa cara. A hora é agora. A quase centenária cidade do artesanato, das lajes e seu deslumbrante pôr-do-sol deve ser também o lugar da boa qualidade de vida para a nossa gente.
O lixo nosso de cada dia
07 de Junho de 2008, por Regina Coelho