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O melhor nome

13 de Marco de 2018, por Regina Coelho

Não sei como funciona para os outros, inclusive para meus colegas aqui do JL, o processo de escolha dos títulos das matérias que escrevemos. No meu caso, quase sempre preciso do texto pronto para definir o nome mais apropriado para ele, o que não é tarefa das mais fáceis. Pouquíssimas vezes parti do título para o artigo, como aconteceu, por exemplo, em Vai procurar sua turma! (nov./2009 – sobre afinidades na formação de turmas), Você é qual? (jan./2012 – sobre pessoas gêmeas) e Uma grande família (dez./2014 – sobre o clã do Pedro Olímpio), entre outros poucos artigos.

O que acontece é que um nome adequado para encabeçar um texto não cai assim do céu. No trabalho de busca por um bom título, certas características devem ser observadas. A primeira delas é que ele capte em suas poucas palavras a essência do que está escrito logo abaixo. É preciso ainda que chame a atenção do(a) leitor(a) por alguma razão, funcionando como um chamariz para a leitura do texto todo. E também, se possível, que seja criativo, que fuja do óbvio.

Aliás, criatividade é o que se pode ver com frequência na nomeação de obras artísticas. Na literatura, naturalmente, que é a arte da palavra, esse componente não falta. Para ficar apenas no âmbito da produção infantil, vejamos alguns títulos interessantes: Rita, não grita! (de Flávia Muniz) – uso de rima; Bisa Bia, Bisa Bel (de Ana Maria Machado) e Marcelo, marmelo, martelo (de Ruth Rocha) – uso de aliteração, repetição de fonemas; Flictz (de Ziraldo) – uso de neologismo, criação de palavra. Em Castelo Rá-tim-bum, antiga série televisiva criada por Cao Hamburger, Flávio de Souza e Ana Muylaert, a palavra que imita os sons de uma bandinha de percussão é um recurso linguístico chamado onomatopeia. Criativos também são estes nomes: Tablado (tradicional escola de teatro carioca), Grupo Corpo (importante companhia brasileira de dança contemporânea nascida em BH) e Vibratos (nova escola de música em Resende Costa).

Uma constatação sobre os títulos de músicas: de modo geral, quem gosta de música, e a maioria gosta, conhece, ainda que superficialmente, muitas delas, mas desconhece os nomes que elas têm. Talvez isso explique uma forte tendência de a gente achar que o título de uma canção é sempre o seu início. Deve ser por essa razão que a célebre Pra não dizer que não falei de flores, de Geraldo Vandré, 83, ficou conhecida como Caminhando, que começa assim: “Caminhando e cantando e seguindo a canção...”

Só para lembrar. A edição de 1968 do Festival Internacional da Canção, na sua versão nacional, entrou para a história da MPB pela tônica de protesto ao regime militar da época, tanto nas canções como na reação do público presente no Maracanãzinho (Rio). Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque, interpretada por Cynara e Cybele, venceu o festival, a despeito das vaias da plateia, que preferia Pra não dizer..., interpretada por seu autor.

De volta aos títulos dos jornais e afins. Aliada à originalidade presente em algumas matérias que chegam aos leitores, destaca-se a intertextualidade, que é a citação implícita de um texto por outro, uma espécie de diálogo entre eles. Vamos a ela. Na matéria de 7/2/2018 da revista Veja sobre Larry Nassar, profissional que passou anos abusando das atletas de ponta da ginástica artística dos EUA, o título é O MÉDICO É O MONSTRO. Nitidamente, é possível perceber nessas palavras uma referência à obra O médico e o monstro (The strange case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde), de Robert Louis Stevenson, um dos maiores clássicos literários do terror psicológico. Publicado em 1885, ele é seguramente um dos livros mais adaptados para o teatro, cinema e tevê.

Nesse terreno dos títulos e seus respectivos textos jornalísticos, floresce ainda a praga das matérias enganadoras e sensacionalistas, vide hoje as fake news (notícias falsas) das redes sociais, uma ameaça constante à boa e correta informação. Contra tudo isso, só belas e necessárias palavras.

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