Voltar a todos os posts

O português em pauta

12 de Julho de 2011, por Regina Coelho

Tive vários excelentes alunos ao longo de minha carreira no magistério. Entre eles lembro agora, em especial, uma determinada menina cuja facilidade de aprendizagem era espantosa. Até aqui não há nada a estranhar, mas a partir de um episódio observado em sala de aula, passei a refletir mais profundamente sobre meu papel de professora de português. Eis o ocorrido.

Depois de inúmeras aulas sobre concordância verbal e também a nominal, durante as quais cada caso foi detalhadamente explicado e exemplificado, apliquei uma prova caprichada (sem maldade, é claro!) à turma daquela aluna mencionada no início do texto. O resultado? Da parte dela, nota máxima com louvor.

Mas... e daí? Desconsidera-se, nessa situação, o fato de que por não ser uma ciência exata o estudo de uma língua envolve certos detalhes, o que dificulta um pouco “fechar a prova”. Não se considera ainda a alegação de que “a Regina sempre acha alguma coisa para descontar algum décimo da gente”, diziam isso de mim muitas vezes. No caso em questão, ficou evidente para mim a grande dificuldade de ver a teoria se transformar em prática. Em outras palavras, a aluna que havia demonstrado na prova ter aprendido com brilhantismo as regras de concordância, inclusive as mais complexas, simplesmente não conseguia aplicar a mais elementar delas. Assim, estando o sujeito no plural, por exemplo, mesmo na ordem direta, era impossível para ela levar o verbo para o plural. Isso no convívio quase diário da sala de aula comigo e os colegas.

Devo dizer a vocês que esse caso me marcou. Mesmo levando em conta a força desfavorável do ambiente doméstico da menina ao uso do padrão linguístico, percebi que, como professora, precisava fazer alguma coisa para tornar a norma culta do português mais acessível a ela e a todos os outros alunos. Isso tudo sem desrespeitar o universo de cada um.

Essa história toda me veio à lembrança agora, quando se discute no país inteiro o livro Por uma vida melhor, ou o capítulo dele que supostamente defende o que se convencionou chamar de erros de português. O assunto já foi tratado com muita propriedade pelo Rosalvo aqui mesmo no JL da edição passada, no entanto, em atendimento a uma sugestão da direção do jornal, entro no mérito dessa questão.

Começo dizendo que não conheço o citado livro, mas conheço de sobra essa discussão, que nem é nova. Já há um bom tempo os conceitos de adequação e inadequação da linguagem substituíram o simplismo do certo e do errado nas aulas de português. Sabe-se que toda língua é um conjunto de variedades. Sendo assim, tomando por base os trechos da obra destacados pela mídia, vejo coerência no posicionamento da autora. Quando afirma que o falante tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião, ela tem toda razão. Quem é que informalmente não deixa de falar às vezes os livro, por exemplo?

Não se trata aqui de defender esse material didático. Percebo é um certo exagero na maneira como o assunto vem sendo tratado. Assassinato, massacre da língua portuguesa e inimigos de um bom português são apenas algumas das expressões que pincei de revistas e jornais como ilustração disso.

Em razão de tantos questionamentos sobre o ensino do português, como o que ocorre atualmente no Brasil, é preciso considerar que um bom profissional da área pode fazer toda a diferença. Constatar isso é afirmar que alunos bem orientados e preparados linguisticamente conseguem transitar com desenvoltura entre as mais diversas formas de comunicação verbal.

Sem negar a legitimidade das variantes que contrariam o que preconiza a norma culta, é necessário admitir a relevância do estudo formal da língua pátria, normalmente ministrado pelas instituições de ensino. Se grande parte delas falha nesse propósito, isso já comporta outras análises.

Voltando à discussão específica que deu origem à presente matéria, faço minhas as palavras de Cristovão Tezza, escritor e vencedor do prêmio Jabuti em 2008. Segundo Tezza,”não é função da escola controlar o que o aluno fala e sim dar a ele o domínio da língua escrita. À medida que ele vai consolidando a maneira como escreve, também vai mudando a estrutura da fala”.

E para terminar, é oportuno lembrar que existem questões muito mais sérias para atacar. Ou alguém julga aceitável, por exemplo, o analfabetismo funcional de tantos alunos em plena adolescência ou mesmo na fase adulta?

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário