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Para lembrar Cecília

13 de Novembro de 2014, por Regina Coelho

“Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, três meses depois da morte do meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno (...) Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento da minha personalidade. (...) minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão.”

O texto autobiográfico acima é de Cecília Meireles (7/11/1901 – 9/11/1964), menina criada pela avó materna (açoriana), por ser a única sobrevivente em uma família de quatro filhos.

Ao concluir o curso primário em 1910, na Escola Estácio de Sá (Rio), a aluna Cecília recebeu de Olavo Bilac, então inspetor escolar do Distrito Federal (à época, o Rio de Janeiro), medalha de ouro por ter feito todo o curso com “distinção e louvor”. Na mesma ocasião, começou a estudar poesia, tendo publicado seu primeiro livro, Espectros (um conjunto de sonetos simbolistas), em 1919, aos dezoito anos.

Diplomando-se professora, passou a exercer o magistério em escolas primárias públicas da antiga capital do país. Paralelamente, começou a escrever na imprensa carioca, tendo atuação destacada como jornalista, com publicações diárias, principalmente sobre problemas ligados à educação, área à qual sempre se manteve ligada, aposentando-se em 1951 como diretora de escola. A propósito, deve-se a ela a criação da primeira biblioteca infantil do Brasil.

Mulher de múltiplos talentos, Cecília realizou inúmeras viagens aos Estados Unidos, à Europa, à Ásia e à África fazendo conferências sobre folclore, educação e literatura, em cujos estudos se especializou. Gostava de dizer que não era turista, e sim viajante – pelo desejo de “morar em cada coisa e descer à origem de tudo”. Trabalhou também como produtora e redatora de programas culturais na Rádio Ministério da Educação (Rio). E lecionou nas Universidades do Distrito Federal (hoje UFRJ) e do Texas (EUA). Premiada como poeta e tradutora, recebeu inúmeras honrarias no Brasil e no exterior. Artista da palavra por excelência, teve grande parte de sua obra traduzida para várias línguas e musicada por gente como Chico Buarque, que usou trechos do Romanceiro da Inconfidência (romanceiro: narrativa rimada), recriação poética sobre a Inconfidência Mineira, para compor o tema da peça Os inconfidentes, com direção de Flávio Rangel. Outro “parceiro” de Cecília Meireles é Fagner, que musicou Canteiros e Motivos. Este último poema integra o livro Viagem, com o qual, segundo Mário de Andrade, ela passaria a se firmar entre os maiores poetas nacionais. Ressalte-se que, por essa obra, a concessão pela Academia Brasileira de Letras do Prêmio de Poesia Olavo Bilac à Cecília rendeu-lhe críticas de alguns modernistas, entre eles do próprio Mário, por acharem que ela havia se curvado ao conservadorismo (que eles atacavam) da ABL. Coisa de quem não perdoava o fato de ela nunca ter feito parte da vertente mais radical do Modernismo. Mas o elogio de Mário de Andrade à poeta Cecília Meireles é definitivo.

Definitiva também é sua presença na memória afetiva de gerações de leitores através de seu sempre lembrado Ou isto ou aquilo, poema que dá nome ao livro publicado pela primeira vez em 1964, com sucessivas publicações para o encantamento de crianças e adultos. Reconhecer Cecília Meireles, no entanto, simplesmente como autora de obra infantil (sem desmerecer os pequeninos, muito pelo contrário) não faz justiça a tudo o que ela representa para o país como escritora, pensadora e cidadã.

Hoje, passados exatos cinquenta anos de sua morte, entidade com a qual manteve “uma tal intimidade” precoce, é importante lembrar Cecília, a alta qualidade de sua obra literária e algumas belas palavras nascidas de sua mente brilhante.

“Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre inteira.”

“Não sejas o de hoje. Não suspires por ontens. Não queiras ser o de amanhã. Faze-te sem limites no tempo.”

“Se você errou, peça desculpas... É difícil pedir perdão? Mas quem disse que é fácil ser perdoado?”

“Há pessoas que nos falam e nem as escutamos, há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam, mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre.”

 

PS: Dedico o presente e coincidentemente apropriado artigo ao Evaldo, meu ex-aluno, hoje colega e amigo querido, por mais uma significativa conquista em sua corajosa e bem sucedida trajetória literária – a indicação de seu nome como um dos três finalistas ao 1º Prêmio Saraiva de Literatura – categoria Romance, com o livro Os fios de Ícaro. Méritos ao agora também romancista, um talento de Resende Costa a serviço de nossas letras.

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