Falar bonito é isto
Diz a lenda que Rui Barbosa, ao chegar em casa, ouviu um barulho estranho vindo do quintal. Chegando lá, constatou haver um ladrão tentando levar seus patos de criação. Aproximou-se vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o ao tentar pular o muro com os amados patos, disse-lhe:
__Oh, bucéfalo anácrono! Não o interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo; mas se é para zombares da minha elevada prosopopeia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à quinquagésima potência que o vulgo denomina nada.
E o ladrão, confuso, pergunta:
__Dotô, eu levo ou deixo os pato?
(Dad Squarisi “Dicas de Português”, coluna publicada em 15 jornais do país, entre eles o “Estado de Minas”, de onde o texto acima e o que segue abaixo foram extraídos.)
Desafio
Pode? Não poderia. Mas pode. Folheto distribuído pelo Centro Cultural Amazonino Mendes (Bumbódromo) entrega a gregos e troianos este texto: “O Governo do Estado do Amazonas, por meio da Secretaria de Estado de Cultura, considerando a política de popularização das ações culturais, a vocação parintinense para as artes, os municípios vizinhos do baixo Amazonas como: Barreirinha, Boa Vista do Ramos, Maués e Nhamundá, os investimentos realizados na modernização e ampliação das estruturas do Centro Cultural Amazonino Mendes e a necessidade de manter a integridade desse patrimônio e resguardar os equipamentos e acessórios instalados, transforma esse centro em espaço multiuso, destinado primeiramente ao ensino das artes e à formação de técnicos para apoio às atividades artísticas e à capacitação tecnológica de jovens e adultos com intensa atuação do Cetam e da Secretaria de Cultura”.
Ufa!
O texto tem 745 toques. E só um ponto. Testes sobre a legibilidade e a memória demonstram dois fatos. Um: o leitor retém integralmente períodos com a média de 150 toques. Com 200, guarda a primeira parte e perde a segunda. Com 250 ou mais, grande parte do enunciado se perde. Conclusão: o governo amazonense jogou dinheiro fora.
Sugestão
A Secretaria de Cultura do Amazonas transforma o Centro Cultural Amazonino Mendes em espaço multiuso. Trata-se de passo importante do governo do estado na direção da política de popularização das ações culturais. Com ele, cria-se espaço para o ensino das artes e a formação de técnicos aptos a apoiar as atividades artísticas e a capacitação tecnológica de jovens e adultos.
(Dito o principal, suprimi, por minha conta, os detalhes.)
Estórias com Moacyr
Moacyr Scliar estava preocupado porque seu filho adolescente não lia. O menino vivia no computador. Mas ler que era bom, nada. O pai escritor, volta e meia, insistia: “Filho, você precisa ler”. Não tinha jeito. Um dia, Moacyr resolveu radicalizar: escreveu um livro e lascou lá que era dedicado ao filho. Chegou em casa com o exemplar saído do forno da editora, entrou pressuroso, bateu na porta do quarto do filho... Lá estava o adolescente diante do computador. O pai então anuncia o presente:
__Filho, olha o livro que teu pai acabou de publicar, é dedicado a ti.
O garoto nem tirou os olhos do computador e disse ao pai:
__Tu não podias fazer um resumo, tchê?
(Affonso Romano de Sant’Anna, em sua coluna publicada no “Estado de Minas” de 9 de dezembro de 2012.
Escritor gaúcho, Moacyr Scliar era formado em medicina, tendo trabalhado como médico especialista em saúde pública e professor universitário.
Em texto postado quando o amigo se foi, Affonso Romano comenta ter participado em Porto Alegre de programa de rádio homenageando Scliar. Na ocasião, entre casos e depoimentos, um bonito poema de Affonso Romano foi mencionado para ser dedicado àquele que partira. Aqui vai ele):
Eles estão se adiantando
Eles estão se adiantando, os meus amigos
Sei que é útil a morte alheia
Para quem constrói seu fim.
Mas eles estão indo, apressados,
Deixando filhos, obras, amores inacabados
E revoluções por terminar.
Não era isto o combinado.
Alguns se despedem heroicos,
Outros serenos. Alguns se rebelam.
O bom seria partir pleno.
O que faço? Ainda agora
Um apressou seu desenlace.
Sigo sem pressa. A morte
Exige trabalho, trabalho lento
Como quem nasce.
Envolvida no trabalho de revisão do “Memórias do antigo Arraial de Nossa Senhora da Penha de França da Laje, atual cidade de Resende Costa”, do resende-costense Juca Chaves, a ser lançado brevemente, acionei meu Plano B para compor o presente artigo. Para isso apropriei-me de alguns textos alheios com os devidos créditos e breves explicações minhas colocadas entre parênteses.
Em tempo – A obra em questão é parte integrante da Coleção Lageana, projeto desenvolvido pela AMIRCO (Associação dos Amigos da Cultura de Resende Costa).