Vender “fiado” é uma prática comum. Até aí tudo bem. O problema começa quando a pessoa devedora não honra esse compromisso conforme o combinado. Bem distante dos tempos do que era acertado no “fio do bigode”, quando o que ficou acordado verbalmente era garantia do cumprimento, o combinado, e isso já não é de hoje, fica registrado. Ainda assim, o credor não está livre do mau pagador e do não pagador. Daí, a triste e injusta fama do “fiado”, que, em si mesmo, é uma opção para quem só pode ou prefere comprar a prazo, com intenção de posterior quitação. E mesmo para o vendedor essa modalidade pode ser vista como uma possibilidade de novas compras do cliente ao voltar para acertar contas anteriores. A relação credor/devedor estremece de vez diante do temido calote. E prevenção contra caloteiros contumazes através de frases bem-humoradas dispostas em cartazes é o que não falta em alguns estabelecimentos comerciais, procedimento típico de muitos botequins e mercearias. Algumas delas:
FIADO- Só para maiores de 90 anos acompanhados dos pais.
FIADO é como cabelo. Se não cortar, cresce.
O FIADO é assim. Eu vendo, você acha BOM. Eu cobro, você acha RUIM.
FIADO, só amanhã.
Vendi FIADO uma vez. Perdi o amigo e também o freguês.
Imagino que o fiado esteja por toda a parte. Deve ser mesmo quase impossível não admiti-lo. Aqui em Resende Costa, conversando com o João Bosco, 68, da Jolu Armarinho, soube que na sua tradicional e movimentada loja, ao contrário do que eu pensava, a turma do pendura também marca presença. Ao passar pelo Supermercado Sobrado para comprar (à vista) alguns itens, fui abordar um dos proprietários do estabelecimento fundado pelos irmãos Daher Chaves com o objetivo de conhecer um pouco mais sobre essa questão. Solícito como sempre, o Guinho da Elaine, 65, aceitou de pronto me prestar as informações que procurava, garantindo-me, porém, que as meninas que trabalham nos caixas são mais habilitadas para tal. Vamos ao que foi apurado.
A estimativa delas em relação às vendas feitas a prazo é de 47% aproximadamente. Quanto ao perfil básico de quem tem o costume de comprar para pagar depois, normalmente, a maioria paga suas contas mensalmente e não se assusta com o valor que lhes é apresentado na hora do acerto. Segundo as entrevistadas, essas pessoas já têm uma noção da quantidade de compras que fazem, sabendo mais ou menos o valor que irão pagar. “O bom pagador tem um bom histórico financeiro. Sempre paga a conta antes ou na data do vencimento da compra”, garantem. Para elas “o mau pagador já está acostumado a ser cobrado, não cumpre seu compromisso, inventa mil desculpas e não está preocupado com seu (bom) nome”, complementam. E as meninas do Sobrado, aqui representadas pela Francielle Santana, 25, fazem uma afirmação curiosa: ainda existem clientes que fazem controle do que compram por meio de caderneta, mas são poucos, sendo que a maioria assina um comprovante relativo a cada compra.
Pois é. A velha e boa caderneta resiste. No comércio de cidades menores como a nossa e em bairros de centros maiores, ela é mantida para atender o cliente antigo, mais de casa. Ao mesmo tempo, é um recurso para enfrentar períodos de crise, sem cobranças adicionais na conta.
A referência ao seu uso me remete à época em que meus irmãos e eu, em momentos diferentes da vida de cada um, de acordo com a idade que íamos alcançando, ajudávamos nosso pai na loja dele, depois transformada em armazém. Além das cadernetas, para os fregueses do mês, havia o borrador, um caderno com anotações diárias de compras menores para fregueses diversos. Quando acontecia de a gente se distrair e não anotar no borrador o nome do comprador e dos produtos levados por ele, a bronca era certa: “esquece de vender, mas não esquece de anotar”, dizia o “seu” Adenor, o que era só uma força de expressão, é lógico.
Por parte dos devedores, há quem se defenda proclamando o Devo, não nego, pago quando puder. Será?