Fim de ano chegando, a história se repete. Sem que a gente se dê conta, já é dezembro. O espírito natalino se faz presente, literalmente também. É hora de presentear e ser presenteado. Suscetíveis ao clima do momento, abrimos nossos corações, abrindo ainda bolsos e bolsas, seduzidos pelos apelos massacrantes do mercado consumidor. A combinação é quase infalível. E então, como que tomados subitamente por sentimentos tão nobres como a bondade e a caridade, decidimos pela prática do bem em favor do próximo.
A bem da verdade, a movimentação que se observa em torno dessas causas beneficentes nem sempre tem motivações emocionais, digamos assim. A julgar pelas campanhas filantrópicas desenvolvidas por empresas e instituições, em época de Natal ou não, fica claro esse entendimento. Em razão dessas iniciativas sociais, ganham todos: os atendidos por elas e seus patrocinadores. Estes, para dizer o mínimo, ganham um forte marketing social, e isso é compreensível.
De um jeito ou de outro, é válido e necessário todo propósito ligado à promoção do bem comum. E em que pesem as críticas de alguns aos que fazem desse período de confraternização o único momento para o envolvimento em ações solidárias, é possível acreditar que isso pode ser um bom começo.
Não é o caso de esperar que as pessoas sejam capazes de gestos grandiosos o tempo todo. Isso é impossível. É o caso, porém, de saber transformar, ou melhor, querer transformar ações isoladas em atitudes consistentes e permanentes. Pequenas e cotidianas gentilezas que sejam já fazem uma grande diferença. Para melhor, é claro.
Bem a propósito disso, guardo na lembrança um episódio que passo a contar agora. No final da década de 80, submetido a uma cirurgia em São João del-Rei, meu pai recebeu, ainda na Santa Casa local, muitas visitas. Entre elas, naturalmente, estavam os familiares, os amigos mais próximos, os conhecidos de lá e de cá. Todos lhe desejando uma boa recuperação e apresentando seus préstimos à família. Foi quando a Terezinha do Didi, nossa conterrânea, filha do saudoso senhor Alcides Maia, e morando em São João até hoje, ofereceu-se para lavar as roupas pessoais de meus pais (minha mãe era a acompanhante principal do paciente). Ao dizer que aquilo era o que tinha a oferecer, enfatizando que era boa na lavação, ela nos comoveu, revelando seu melhor – generosidade em sua forma mais espontânea. Não foi preciso aceitar a oferta da Terezinha, que pode até não se lembrar desse fato, mas a gente não pode se esquecer de um gesto assim tão belo.
Como a maioria das pessoas, procuro desenvolver meu lado bom. Há dois anos e meio, por exemplo, pratiquei uma pequena boa ação que me rendeu eloquentes agradecimentos por parte de um casal brasileiro a quem pude ajudar. No hall de um hotel em Roma, aguardávamos o traslado para o aeroporto. Pertencíamos a grupos diferentes, eventualmente reunidos para determinados passeios, portanto, só nos conhecíamos de vista. Naquela espera ansiosa pela partida, os dois tinham uma preocupação extra: o cadeado de uma de suas malas se perdera ou estragara, qualquer coisa assim. Normalmente, já há aquela insegurança dos que despacham sua bagagem em relação a extravio e violação de malas em viagens de avião. É um absurdo isso, mas acontece com frequência. Os indefesos passageiros que tratem de proteger seus pertences como podem. No caso específico aqui narrado, para complicar, era domingo. Nas imediações, o comércio estava fechado. Com certa experiência nessas situações de viagem, por isso, prevenida, não pensei duas vezes em ceder meu cadeado reserva ao então apreensivo e depois aliviado casal. Isso fez o senhor querer comprar o bendito cadeado (no seu lugar, eu faria o mesmo). Recusei a proposta (no meu lugar, acho que ele faria o mesmo). E ficamos assim.
No dia a dia, entre os afazeres a que cada um de nós se entrega, surpreendemos e somos surpreendidos com delicadezas que nos humanizam e nos aproximam uns dos outros como semelhantes. É dessa forma que entendo e recebo mimos que muito me alegram. Como os pães de queijo que a Maria do Carmo (do Aquim), vindo pessoalmente até minha porta, trouxe para mim. Estavam tentadoramente deliciosos, Maria. Pedi ao Hamílton (da Penha) algumas mudas de gerânio e fui prontamente atendida por ele. As flores hoje estão lindas. De uma senhora do Barracão que eu mal conhecia ganhei uma planta de cravina, assim que ela soube do meu interesse por essa flor.
Tudo isso é muito bonito e é vida real, muito distante dos grandes e improváveis feitos heroicos. E não deve haver uma segunda intenção nessas e noutras tantas atitudes porque, segundo Frei Betto, “generosidade calculada é barganha”.
Beijos, abraços, sorrisos e cumprimentos contam muito, mas que não sejam só os protocolares. Declarações de amor e de amizade aos que amamos também. E principalmente a vontade de ser melhor, cada um de nós, por nós mesmos e para o bem de todos. A isso chamamos solidariedade. Um bom Natal a todos!