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Por um bom abraço

12 de Dezembro de 2018, por Regina Coelho

“QUER UM ABRAÇO DE BOA PROVA?” Com esses dizeres em destaque num cartaz dependurado no pescoço, a professora de Matemática Denise Almeida, 29, marcou presença na entrada principal de uma universidade de BH nos dois dias de aplicação do ENEM/2018. Além do oferecimento do abraço, ela e um grupo de amigos fizeram uma vaquinha para a compra de lanchinhos, barras de cereais, chocolates, biscoitos e canetas pretas distribuídos a candidatos necessitados talvez desses mimos. “Minha ideia era ter um momento com esses estudantes para dizer palavras de motivação e que acredito neles”, explicou ela já no primeiro dia das provas.

Com variações de locais e personagens e de demonstrações de apoio aos participantes do ENEM, a cena descrita acima foi apenas uma entre muitas vistas pelo país nos dois domingos – 4 e 11 de novembro – que marcaram a vida escolar de milhões de jovens brasileiros. Segundo consta, a ação solidária do “abraço grátis” teve início em 2004, num aeroporto de Sydney, Austrália. Tudo aconteceu meio sem querer. Juan Mann, o criador do movimento dos Free hugs (abraços grátis), voltava para casa quando seu mundo virou de cabeça para baixo, em Londres. Não havia ninguém para recebê-lo e nenhum lar para voltar. Ao observar os outros passageiros que eram abraçados por suas famílias e por amigos, o australiano, que estava numa fase meio depressiva, sentiu necessidade de um abraço e então escreveu em um papel: “FREE HUGS”.

Abraçar alguém é tudo de bom. Ser abraçado também, desde que esse gesto não seja um “abraço de tamanduá”, expressão que se usa em referência ao abraço dado falsamente, sem a boa intenção e a espontaneidade de quem abraça. (A explicação do nome – Para se defender, o tamanduá se levanta sobre as patas traseiras e abre os braços mostrando as garras, como se fosse dar um “abraço”; na verdade, um golpe mortal, pois suas garras são muito fortes.) Aliás, o melhor mesmo é que esse entrelaçar de braços seja recíproco, ainda que seja o famoso “quebra-costela”, aquele abraço apertado. Aí vira até lugar, o melhor lugar do mundo, como canta o Jota Quest em Dentro de um abraço. A propósito, a letra dessa música foi inspirada na crônica homônima extraída do livro Feliz por nada (2011), da escritora gaúcha Martha Medeiros. Nas palavras da autora, tal como num abraço bom, o envolvimento dos abraçados é certo.

“(...) Que lugar melhor para uma criança, para um idoso, para uma mulher apaixonada, para um adolescente com medo, para um doente, para alguém solitário? Dentro de um abraço é sempre quente, é sempre seguro. Dentro de um abraço não se ouve o tic-tac dos relógios e, se faltar luz, tanto melhor. Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço se dissolve.

Que lugar melhor para um recém-nascido, para um recém-chegado, para um recém-demitido, para um recém-contratado? Dentro de um abraço nenhuma situação é incerta, o futuro não amedronta, estacionamos confortavelmente no meio do paraíso. (...)”

Acontece, porém, que nas nossas relações cotidianas a gente costuma banalizar o abraço, que pode ser apenas uma maneira de nos despedir de uma pessoa, dizendo simplesmente “Um abraço”. Ou então a gente abraça o outro ou lhe manda um abraço por convenção ou obrigação no formalismo de algumas atitudes ditas sociais. Abraço de verdade é sentimento. É terapia. E que ótimo que hoje pais e filhos se abraçam amorosamente, diferentemente dos tempos em que manifestações físicas de amor e carinho entre eles eram praticamente inexistentes.

No embalo dos versos do Jota e de mais um final de ano, quando, tomados pelo espírito do Natal, julgamos ser pessoas melhores pela prática de nossas típicas boas ações da época, que estejamos de braços abertos para os verdadeiros abraços. E sintam-se vocês abraçados aqui.

 

“(...) Tudo que se espera ou sonha / Num abraço se encontra. / Na chegada ou na partida / Raio de sol ou noite fria / Na tristeza ou na alegria / Na tristeza ou na alegria.”

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