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Procura-se

12 de Maio de 2010, por Regina Coelho


Procura-se um caderninho azul escrito a lápis e tinta e sangue, suor e lágrimas, com setenta por cento de endereços caducos e cancelados e telefones retirados e, portanto, absolutamente necessários e urgentes e irreconstituíveis. Procura-se, e talvez não se queira achar, um caderninho azul com um passado cinzento e confuso de um homem triste e vulgar... Procura-se, e talvez não se queira achar.(Rubem Braga)
 
Pois bem. Lembrei-me desse texto do nosso inesquecível capixaba, porque também eu procuro, não um caderninho azul, mas um livro, exatamente o Sagarana, de Guimarães Rosa. Diferentemente do cronista Braga, gostaria imensamente de achar meu exemplar de uma obra pela qual me tomei de amores há muito tempo.
 
Minha história com os livros vem da infância. Da mesma forma que frequentava a Biblioteca Pública da cidade, que funcionava no atual prédio da Câmara Municipal, passava tardes inteiras de férias na casa de minha avó materna só para ler aqueles pesados e atraentes volumes de coleções diversas, já naquela época, herança preciosa deixada pelo meu avô Alcides Lara, um leitor entusiasmado.
 
Fui passando pelas leituras obrigatórias de escola, enquanto lia por iniciativa própria tudo o que havia em casa. Chegando à fase adulta, comecei a comprar as obras que me interessavam. E também juntei livros que recebi em forma de presente.
 
O tempo agora é de sala de aula, a condição, de professora. E como fazer alguém entender literatura, “a arte da palavra”, sem a palavra? E onde estão as belas e necessárias palavras que foram escritas por aí? Vamos descobri-las especialmente nos livros. Então a situação se complica. É o preço do produto distante de muitos bolsos, é a falta de prioridade para esse tipo de aquisição, coisas do Brasil. Só que ficar sem ler certas obras, nem pensar! O jeito é sair procurando os possíveis emprestadores dos títulos indicados por mim e pelos colegas. Há ainda aquelas obras cobradas para o vestibular. Coloco-me à disposição dos alunos para os devidos empréstimos. Não se trata de bondade, é uma questão de coerência com a pregação de sala de aula em favor da leitura. E tem mais: sempre defendi a ideia, muito comum por sinal, de que os livros existem para serem lidos pelo maior número possível de pessoas. Vê-los esquecidos, abandonados ou simplesmente como objetos de enfeite em estantes me dá um dó danado.
 
Fiz esse rodeio todo para dizer que essa minha opção quase sempre me deu alegria. Só lamento pelos livros perdidos ou não entregues, entre eles o meu Sagarana, bem gasto pelo manuseio e trazendo em suas páginas mágicas nove contos. Destaco O burrinho pedrês, Sarapalha, Duelo, Corpo fechado eA hora e a vez de Augusto Matraga, como já o fizera na edição 26 do Jornal das Lajes (maio/junho de 2005), quando participei da seção Este eu recomendo (hoje extinta).
 
Como vocês podem ver, tenho razão em fazer esse Procura-se. Se obtiver êxito no meu anúncio, recebendo de volta meu livro, prometo deixá-lo disponível para quem dele precisar, desde que eu o tenha novamente para mim e outros leitores. Costuma-se dizer por aí que “bobo é quem empresta livro e mais bobo ainda é aquele que o devolve”. Prefiro ignorar esse pensamento de sentido egoísta e duvidoso. Ou então sou boba mesmo. E ponto final.
 
Passo a palavra agora para Frei Betto, que contou para seus leitores do Estado de Minas, em coluna do dia 17/09/09, o seguinte caso:

 
NÓS, OS BURROS
 
Aluno, em 1964, do curso de jornalismo, ficava a escola, no Rio, próxima ao aterro do Flamengo, então um canteiro de obras. Ali pastavam animais de carga.
 
Um grupo de colegas, no qual me incluía, não suportava o tom laudatório do professor Hélio Vianna ao se referir ao marechal Castelo Branco, seu cunhado, e primeiro a ocupar a Presidência em nome da ditadura. Decidimos pregar-lhe uma peça. Sequestramos um burro no aterro e o enfiamos na sala de aula.
 
No corredor do andar de cima, ficamos a observar a reação do professor de história. Hélio Vianna entrou na sala e, para a nossa decepção, ali permaneceu, em companhia do muar, durante 50 minutos. Dado o sinal, retirou-se impassível, sem demonstrar contrariedade ou queixar-se à direção. Deu mais trabalho fazer o burro descer do que subir os degraus da faculdade.
 
Na semana seguinte, o episódio parecia mergulhado no olvido. Hélio Vianna entrou em classe e – novo desaponto – não nos passou nenhuma reprimenda. Deu aula como se nada tivesse ocorrido. Nos últimos minutos, advertiu-nos: “Aviso aos senhores e senhoras que, semana próxima, haverá prova. Peguem os pontos com o único colega que, na aula passada, se encontrava em classe”. E mais não disse.
 
Como estudar para a prova sem a menor noção da matéria indicada? No dia fatídico, o professor pediu uma dissertação, por escrito, de como o tesouro da Holanda havia sido afetado pela invasão holandesa no Nordeste brasileiro. Zero geral.
 
Burros fomos nós.

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