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Quanta majestade!

15 de Fevereiro de 2013, por Regina Coelho

O Brasil não teve uma nobreza tradicional à moda europeia, salvo pela presença da família imperial aqui instalada a partir de 1808, em razão da fuga empreendida por D. João VI, provocada pela iminência da invasão a Portugal por Napoleão Bonaparte. Não obstante nossa realidade sem realeza, temos cá nossos reis e rainhas coroados simbolicamente pelo povo. Reinando já há um bom tempo, estão aí mais soberanos do que nunca os Reis Roberto Carlos e Pelé. Este último, fora da atividade que o consagrou mundialmente, mas eternamente rei, faz valer aquela velha máxima de que “quem foi rei nunca perde a majestade”. Isso deve valer também para Reinaldo, um dos maiores jogadores de futebol que o país já teve. Da feliz combinação do talento que esbanjou nos gramados com a primeira sílaba de seu nome surgiu o “Rei, Rei, Rei, Reinaldo é o nosso Rei”, o grito de guerra da torcida atleticana exaltando seu ídolo maior nos anos 70 e 80.

“Rei morto, rei posto”, certo? Nem sempre. Como não considerar ainda hoje como o “Rei do baião” o nosso Luiz Gonzaga e os internacionais e para sempre lembrados Elvis Presley e Michael Jackson como os Reis do rock e do pop, respectivamente? Numa versão inteiramente tupiniquim, destaque para um certo “Rei do Cangaço”, o temido Lampião, que foi o principal e mais conhecido cangaceiro brasileiro.

Majestade, evidentemente, não é exclusividade masculina. Instituído em 1937, o concurso “Rainha do rádio” foi sucesso absoluto até o final dos anos 50 com a disputa acirrada de votos entre as fãs das cantoras candidatas. Marlene e Emilinha Borba foram algumas dessas cabeças coroadas. Hebe Camargo, enquanto viveu, reinou como a “Rainha da televisão brasileira”. É verdade que outras rainhas surgiram, como Hortência, a “Rainha do basquete”, hoje já afastada das quadras, ainda atuante no meio e sem sucessora que lhe roube o título. Ao que parece, outras majestades já não fazem mais jus ao reinado que um dia conquistaram. Gretchen, que se tornou conhecida como a “Rainha do bumbum” por dançar virando-se de costas para as câmeras de tevê e para a plateia, foi desbancada pelas popozudas da hora. Também soberana, Sula Miranda, cantora e irmã de Gretchen, já foi aclamada como a “Rainha dos caminhoneiros”. Convertida à igreja evangélica e gravando música gospel, sua estrada hoje é outra. E Xuxa, que por muito tempo reinou como a “Rainha dos baixinhos”, anda à procura de novos e pequenos súditos, provavelmente devotados a outras paixões.

Há reis e rainhas para todos os gostos e ocasiões. Ricardinho e Milene Domingues, Rei e Rainha das embaixadinhas. E tome título para os representantes das mais variadas festas realizadas no país: “Rei Momo”, “Rainha do Carnaval”, “Rainha das rosas”, “Rainha da uva”, “Rainha da pipoca”... Aqui mesmo em Resende Costa, temos por ocasião da Festa do Rosário, nossa corte real. E a mania se espalha em forma de nomes bem sugestivos para grande parte dos estabelecimentos comerciais Brasil afora: “O Rei das tintas”, “A Rainha das rendas”, “O Rei das frutas”, “O Império dos tecidos”. Em Resende Costa, “A princesa”. Novelas também não escapam. “Rainha da Sucata” e “O Rei do Gado” são exemplos disso.

Na linguagem do dia a dia, algumas construções relacionadas à nobreza são diretas. Assim, o sol é “o astro-rei”, o leão é “o rei dos animais”, o sabiá é majestade, o galo é “o rei do terreiro”, a rosa é “a rainha das flores” e a mãe, “a rainha do lar”. Outras referem-se a quem é esnobe como aquele que tem o “rei na barriga” ou ao convencido como o tal “rei da cocada preta”. Há ainda a “palavra de rei”, aquela que não volta atrás. E o cumprimento baianês “bom dia, meu rei”, que é a forma como os baianos se tratam e cumprimentam os de fora. No imaginário infantil, a menina vira “princesa”. A mocinha sonhadora se sente a própria, à espera talvez do príncipe encantado.

Transitando na hierarquia dos títulos de nobreza, é possível encontrar hoje no Brasil “o Imperador”, ou melhor, o quase ex-jogador Adriano, que, quando jogava na Itália, ganhou o apelido de L’Imperatore, em alusão ao imperador romano Adriano. E não é que até em Resende Costa temos “o Conde”, não é mesmo, Cláudio do Tião da Caixa? E tivemos “o Duque”, antigo comerciante da cidade e pai do Miguel do Duque, do Toninho do Duque e outros “do Duque”. Penso ser do desconhecimento quase geral o nome José da Mata e Sousa para o saudoso “Duque”, assim chamado desde a infância.

É verdade que o mundo da realeza desperta o interesse de muita gente pelo glamour que acompanha esse pessoal do chamado “sangue azul”. E como rende histórias a vida deles! Da Inglaterra vem o exemplo perfeito. Apesar de sua fleuma inglesa, a rainha Elizabeth II corta um dobrado para manter sob controle sua nobre descendência, sempre tão observada por todos. Eu, que de rainha tenho o nome, sou mais os meus semelhantes plebeus. E como plebe, que tenhamos “sangue bom”. Eles que são nobres que se entendam!

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