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Receita de Ano Novo

15 de Janeiro de 2014, por Regina Coelho

Para você ganhar belíssimo Ano Novo

Cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,

Ano Novo sem comparação com o tempo já vivido

(mal vivido talvez ou sem sentido);

Para você ganhar um ano

Não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,

Mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;

Novo

Até no coração das coisas menos percebidas

(a começar pelo seu interior)

Novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota

Mas com ele se come, se passeia,

Se ama, se compreende, se trabalha,

Você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,

Não precisa expedir nem receber mensagens

(planta recebe mensagens? Passa telegramas?)

Não precisa

Fazer lista de boas intenções

Para arquivá-las na gaveta.

Não precisa chorar arrependido

Pelas besteiras consumidas

Nem parvamente acreditar

Que por decreto de esperança

A partir de janeiro as coisas mudem

E seja tudo claridade, recompensa,

Justiça entre os homens e as nações,

Liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,

Direitos respeitados, começando

Pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo

Que mereça este nome,

Você, meu caro, tem de merecê-lo,

Tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,

Mas tente, experimente, consciente.

É dentro de você que o Ano Novo

Cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade

 

Breves considerações linguísticas

 

É, não tem jeito. O modismo pegou até o Barack Obama. O momento captado pelas câmeras aconteceu durante a cerimônia (ou festa?) realizada especialmente para reunir as homenagens de líderes estrangeiros à memória de Nélson Mandela. Posicionado ao lado da primeira-ministra dinamarquesa, Helle Thorning-Schmidt, e de David Cameron, primeiro ministro britânico, o presidente americano e seus colegas eram só sorrisos na produção de uma “selfie”. A imagem, logicamente, foi parar nas redes sociais e ganhou o mundo pela importância das pessoas nela agrupadas e, lógico, pelo inusitado da situação. Naquele ambiente pelo menos formalmente fúnebre, os três pareciam se divertir como adolescentes. Quanto ao termo em destaque, que virou a palavra do ano (de 2013) do “Dicionário Oxford”, ele é a designação da foto feita de si próprio. Como se pode ver, não são somente os anônimos os seduzidos por seus celulares quando, entre outras tantas opções de uso desses aparelhos, fotografam-se. E há um detalhe curioso nisso: muita gente aparece nessas fotos fazendo biquinho ou fazendo careta. Por que razão será?

Um outro modismo se impondo por aí está presente na forma como muitos falantes, dirigindo-se a plateias de homens e mulheres, dizem coisas assim: “Bom dia a todos e a todas!” “Obrigado a todos e a todas!” Gostaria de saber de onde saiu esse primor de linguagem. Isso não é igualdade de gêneros. É redundância. O termo “todos” já abrange todo mundo, todas as pessoas. O “todas” está sobrando.

É oportuno dizer que boas sacadas linguísticas também surgem por toda parte. Uma prova disso pode ser vista aqui mesmo em Resende Costa no nome que o Vinícius do Tinô escolheu para o seu empreendimento. “Bequim da Carne” é ótimo por duas razões. A construção “Bequim” é mineiríssima. É fato que o mineiro, ao falar, “come as sílabas finais das palavras”, não é “mês”, ops, não é mesmo? E mais, logicamente, o endereço do citado estabelecimento comercial é um beco, o popular Beco do Barbosinha (antigo, saudoso e famoso morador do lugar), oficialmente Travessa Matilde Rios.

Outro exemplo interessante de criatividade encontrei em São João del-Rei, perto da atual rodoviária. Onde se lê: “Barbeleireiros” numa placa comercial, a julgar pelo nome, seria um salão de barbeiro,  certo? Não só. Uma olhada de fora pelo interior do ponto mostra a prática do negócio: bar, ou melhor, lanchonete de um lado e barbearia de outro lado.

Situações como essas, aqui despretensiosamente comentadas, contribuem para reforçar o sempre lembrado preceito linguístico segundo o qual quem faz a língua são os falantes, não os gramáticos. Cabe a estes a observação e a análise do que é utilizado pelas pessoas como instrumento poderoso de comunicação num dado momento histórico.

 

Assim, considerada como fenômeno dinâmico, a língua passa por transformações, o que é natural. As alterações podem ocorrer tanto na grafia quanto no sentido de muitas palavras. Além disso, surgem termos novos (os neologismos), enquanto outros vão deixando de ser usados, até desaparecerem. Sobre essa última afirmação, um termo usado por Drummond no belíssimo poema que abre este artigo é um bom exemplo: “telegramas”. Posso garantir que entre os muitos jovens muitos nunca passaram ou receberam um telegrama. Nem sabem o significado dessa palavra, o que não é problema. É a vida que se transforma e transforma nossas ferramentas de comunicação.

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