“Excuse-me, aí.” Agente de trânsito, brasileiro, abordado por repórter do jornal Folha de São Paulo que se passou por turista estrangeiro.
“Muito obrigada a ocê!” Paula Marizales, arquiteta colombiana, interrompendo seu almoço tipicamente mineiro num restaurante na Savassi, em Belo Horizonte, para conversar com repórter local, ao lhe agradecer a entrevista, arriscando imitar o sotaque mineiro.
As situações acima podem ser multiplicadas em muitas outras parecidas que se observaram no país durante a Copa de 2014 no quesito comunicação. De um lado, postam-se os donos da casa, que se viraram do jeito que puderam para receber as visitas, valendo, por exemplo, juntar o inglês com o português, mesmo sendo um teste, como no primeiro caso. Do outro lado, colocam-se os visitantes, que não fizeram por menos, incorporando, por exemplo, até regionalismos, como se vê no segundo caso.
É verdade que esse período de convivência envolvendo brasileiros e estrangeiros não se resumiu a esforços pessoais e atitudes simpáticas de lado a lado no intuito de se fazerem entender principalmente por palavras e outros artifícios como gestos e expressão facial, que são mecanismos naturais de comunicação. Desencontros linguísticos foram inevitáveis pela própria natureza globalizada do encontro de tantos falares, ainda que, nos dias atuais, tenham sido encurtadas as distâncias entre os idiomas e entre seus falantes motivadas pela própria globalização.
Quando se trata especialmente da comparação entre o português e o espanhol, idiomas tidos como próximos e falados por onze seleções do Mundial 2014 e suas torcidas – Brasil e Portugal (português), Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Espanha, Honduras, México e Uruguai (espanhol), algumas considerações são necessárias. Segundo a chilena Sara del Carmen Rojo de la Rosa, professora da Faculdade de Letras da UFMG, “brasileiros e hispanos acham que podem falar a outra língua com facilidade, mas isso é falso. Essa semelhança é como uma armadilha. A palavra exquisito, por exemplo, significa uma delícia. Se um hispano falar que a comida está exquisita, o brasileiro vai entender outra coisa”. Além disso, há os falsos cognatos, termos de ortografia idêntica ou quase, mas com significados diferentes em cada uma das duas línguas. Vejamos alguns deles com seus respectivos significados em espanhol: aceitar (pôr azeite, passar óleo), aderezo (tempero), apellido (sobrenome), cuello (pescoço), embarazada (grávida), largo (comprido) e vaso (copo). Além disso, os termos têm sutilezas semânticas muitas vezes difíceis de captar quando alguém não é nativo do país. “As palavras têm uma história cultural. Vão além do que significam no dicionário. Em português, por exemplo, quando se fala que uma mulher é bonitinha, sabemos que ela não é maravilhosa ou superbonita. Já um hispano não consegue entender isso”, explica a professora Sara de la Rosa. Na falta de um conhecimento mais aprofundado de uma ou outra língua, as pessoas costumam apelar para o “portunhol”, uma “língua” intermediária entre o português e o espanhol, o que pode complicar a boa comunicação entre os envolvidos, já que costuma ser mais difícil de ser entendido.
E como se não bastasse a mistura de línguas, uma verdadeira babel em que se transformou o Brasil nas cidades que receberam os jogos da Copa, torcedores estrangeiros e brasileiros tiveram de conviver ainda com as diferenças linguísticas regionais presentes no país. Nesse ponto, contribuímos com o “mineirês”. Na percepção do argentino Gustavo Román, que é morador de BH, “aqui (em Minas) falam rápido, cortam as palavras. Falam pela metade, tudo mais curto, reduzido”. E ele tem razão. E nós também, que assim sendo, conservamos um traço natural da nossa identidade mineira.
De tudo o que aqui foi exposto, interessa, acima de tudo, ver a Copa do Mundo como uma época de troca, de interação entre todos de alguma forma nela envolvidos, independentemente das bandeiras que carreguem. E que as barreiras linguísticas sejam sempre quebradas em nome da boa aproximação e do necessário entendimento entre as pessoas. Nesse sentido, somos todos vencedores.
Para finalizar, lanço mão do depoimento de Sirlene Afonso, barraqueira em Copacabana, Rio, um dos redutos de torcedores do exterior durante a Copa. Seu comentário sobre o diálogo que manteve com um desses turistas resume com perfeição o alegre e caloroso espírito brasileiro de tratar as visitas. De quebra, com direito a uma leve investida no inglês e aquele tom professoral de quem tem sua própria dica e a ensina para os interessados na conversa com os estrangeiros. Vamos a ele:
“ - Um gringo veio me pedindo four (quatro) ‘caipiranha’, aí eu ri muito e disse ‘é caipirinha!’ Se falar pausadamente, eles aprendem e entendem.”
PS: No embalo da onda recente de estrangeiros passando pelo Brasil, na edição de agosto, a coluna tratará da presença deles a passeio em Resende Costa.