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Sempre o tempo

13 de Setembro de 2020, por Regina Coelho

presente entre nós praticamente desde o início deste ano, portanto, aqui no Brasil ainda na temporada de verão, a pandemia do novo coronavírus vem atravessando as estações. Quando passamos pelo outono, sabíamos estar vivendo um período difícil, experimentando uma maneira única de existir e resistir nesse mundo compulsoriamente transformado pelas circunstâncias do momento. Ainda que alertados por especialistas sobre o prolongamento dessa indesejada situação, julgávamos poder acordar desse pesadelo tão logo fosse possível. Ingênuo engano! Eis que avançamos rumo à estação das baixas temperaturas vendo arrefecida em nós uma certa esperança de respirar dias menos sombrios. Daqui a pouco haveremos de nos encantar com o espetáculo da natureza vestida de flores, provavelmente na duradoura incerteza de um rumo mais seguro para nós.

Assim vai passando “o tempo, esse itinerante”, como o definiu o escritor resende-costense Gentil Vale em livro com esse mesmo nome. E vai passando em fatias representadas pelas estações do ano. Dentro delas correm meses, semanas, dias, horas e segundos. E como correm!

Neste 2020 sendo engolido por um inimigo mortal, busquei na itinerância desse tempo o simbolismo das estações além das mudanças climáticas. Nesse sentido, o ano fragmentado em temporadas lembra a muitos os ciclos da vida. Nessa associação, a Primavera (primeiro verão) é a representação da infância e da juventude. Veranum tempus é o Verão, o bom tempo; a maturidade jovem. Outono é o tempo da colheita, que lembra crescimento e transformação. Associa-se a ele a ideia de declínio, ocaso, daí a expressão “outono da vida” em referência ao envelhecimento do ser humano. O ciclo se completa com o Inverno, o tempo frio, do recolhimento. Em sentido figurado, a velhice. Com essa mesma significação conotativa se pergunta a alguém: quantas primaveras (quantos anos) você (geralmente, uma pessoa jovem) está completando (ou fazendo)? Ou nos referimos à mocidade como “a primavera da vida”. Dizer que “os janeiros pesam” é afirmar que os muitos anos vividos têm um custo.

De uns tempos pra cá, as estações andam decepcionando um pouco as pessoas porque nem sempre chegam com suas típicas manifestações. Com relação ao Inverno, por exemplo, já ouvi muita gente comentar que não temos mais aquele frio de doer. Pelo menos em nossa cidade, essa constatação – ou seria uma sensação? – parece verdadeira. Lembro-me especialmente do rigoroso inverno de 1974. Era ano de Copa do Mundo, na Alemanha Ocidental (hoje, apenas Alemanha, pelo processo de reunificação das 2 Alemanhas – Ocidental e Oriental). Em casa, reunidos e cheios de agasalhos, aguardávamos diante da tevê um determinado jogo do Brasil. Aí chegou o tio Celso para se juntar a nós. O casaco que ele usava – pesadão, compridão, de pura lã – é o “termômetro” que tenho na lembrança daquela tarde gelada.

E o que dizer das inúmeras Semanas Santas de antes, especialmente das Procissões do Depósito e do Enterro? Certamente, muito fervorosas pela fé dos acompanhantes, mas desafiantes pelo frio cortante daquelas noites. O mesmo frio potencializado pelo vento, ambos misturados e sentidos com força pelos destemidos que se aventuravam a contornar a “Distribuidora”, antiga fornecedora de luz situada na esquina onde foi construída a casa do Dr. Paulo (médico). Quanto às temporadas de verão, dificilmente se podia sair de casa à noite sem levar um leve agasalho que fosse. Mais tarde batia uma brisa, contávamos com isso. Ventilador e ar-condicionado em Resende Costa? Pra quê?

Vivemos agora outros tempos. Compreensivelmente, em total desconforto com toda essa realidade da pandemia que vem nos consumindo. Estranhamente, o futuro é o lugar onde já gostaríamos de estar. O tempo presente é de espera. Até quando? Como saber? Achar que tudo se resolverá logo com uma vacina segura e eficaz contra a Covid-19 é simplismo. Que haja espera em nossos dias por boas e esperançosas notícias. Mas, acima de tudo e apesar de tudo, que haja tempo em nossos dias para simples e necessárias alegrias.

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