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Só por curiosidade

15 de Maio de 2013, por Regina Coelho

Notícias dos muitos acidentes que ocorrem nas nossas cidades e estradas são comuns nos jornais. Quando veiculadas na televisão, causam na gente um impacto maior, talvez pela força das imagens em movimento ali mostradas. Mas, por incrível que pareça, há pouco tempo, foi vendo num noticiário uma dessas tragédias, ou melhor, o resultado dela, que tive a atenção despertada por uma cena específica dentro daquela cena principal: curiosos fotografavam e filmavam o triste acontecimento. Em número expressivo e munidos de seus inseparáveis celulares, eles pareciam ser a polícia ou mesmo a própria imprensa registrando tudo como se estivessem agindo no cumprimento de um dever de ofício.

De imediato, deixei de acompanhar a matéria propriamente dita para tentar entender a motivação daquelas pessoas totalmente entregues na busca pelos melhores ângulos de um cenário pra lá de horroroso. É sabido que até uma simples ocorrência de trânsito costuma atrair a atenção dos que estão próximos ou não tão próximos do ocorrido. E dependendo da gravidade do acidente, o público presente pode crescer assustadoramente. Tudo bem. Normalmente, não é possível alguém ficar alheio ao que acontece ao seu redor. É compreensível que a gente se interesse pelos dramas humanos e não fique indiferente ao sofrimento dos envolvidos nessas situações. É aceitável que até mesmo por curiosidade as pessoas queiram ver o local do sinistro. Mas daí saírem de seus carros para conseguir o registro de um acontecimento trágico como quem fotografa ou filma um passeio, uma festa, um ponto turístico ou uma pessoa famosa é coisa, no mínimo, estranha.

Isso é o que se pode chamar de curiosidade mórbida ou, se preferirem, a atração pelo espetáculo, termo este que, segundo o dicionário Aurélio, pode significar “tudo o que chama a atenção, atrai e prende o olhar”, mesmo que o episódio seja infeliz ou perverso. Não se trata, portanto, da curiosidade humana em si, condição inerente a todos, que é o desejo de ver ou conhecer algo até então desconhecido. Isso deve explicar a inevitável e saudável curiosidade infantil repleta de porquês, como e o que é isso ou aquilo já na primeira etapa da vida. Há também a categoria da vizinha curiosa, aquela que dá notícia de tudo o que acontece nas casas próximas à sua e parece nunca dormir. Ao captar o menor sinal de movimento, lá está ela, sempre pronta para ver, escutar ou perguntar algo. Informação em primeiríssima mão sobre os outros ou sobre qualquer coisa é com ela mesma.

Reparem que usei “vizinha curiosa” no feminino. É que as más línguas, acho que as masculinas, espalham por aí que a curiosidade é uma característica mais acentuada nas mulheres. Será? Isso me remete à série de livros “O Guia dos Curiosos”, do jornalista Marcelo Duarte. O primeiro trabalho desenvolve o tema de um modo geral. Os outros sete livros apresentam temáticas especiais. São elas: esporte, invenções, Brasil, sexo, língua portuguesa, jogos olímpicos e... mulheres. Segundo o autor, “O Guia das Curiosas” (em parceria com Inês de Castro) foi escrito “só para mulheres e quem gosta de mulheres”.

A título de curiosidade também, vem à tona aquela crença que enfatiza a curiosidade que matou um gato como a moral da história. Ao que parece, esse ditado se originou na Europa, numa época em que as pessoas não gostavam muito de gatos. Era o fim da Idade Média. Acreditava-se que os gatos, especialmente os pretos, traziam má sorte. Com o intuito de acabar com eles, havia gente que fazia armadilhas usando como iscas coisas estranhas que chamavam a atenção dos bichanos curiosos. Mesmo cautelosos por natureza, a curiosidade diante daquilo que os atraía levava-os a se dar mal. Nesse caso, ser curioso pode ser visto como algo perigoso e negativo.

Em tempos de invasão permitida da privacidade com a vida das pessoas escancarada por todos os lados, fica até difícil não se deixar levar pela curiosidade. Afinal de contas, é muita informação, um verdadeiro bombardeio de notícias, fotos, vídeos e mensagens rondando diariamente nossa vida. Nisso tudo, há muito lixo também, e o que é pior: o desrespeito aos limites estabelecidos pela ética social.

Xeretas, bicudos, intrometidos, candinhas, intrusos ou bisbilhoteiros postos de lado, exalto a boa curiosidade, aquela intrigante condição humana que os pesquisadores, por exemplo, têm de sobra e graças à qual descobertas científicas e inventos extraordinários se tornam realidade. Uma simples prova disso é a existência do Botox. Do uso terapêutico da toxina botulínica como uma alternativa eficaz para o tratamento não cirúrgico do estrabismo ao uso cosmético para a melhora das rugas (entre outras utilizações), o caminho da descoberta desse poderoso aliado, principalmente, de muitas mulheres, se fez pela observação, pelo espírito curioso do oftalmologista americano Alan B. Scott. Bendita seja a curiosidade que produz o conhecimento voltado para o lado bom da vida.

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