Conforme acepção extraída do Dicionário Houaiss de língua portuguesa, entende-se basicamente por censura o “exame a que são submetidos trabalhos de cunho artístico ou informativo, geralmente com base em critérios de caráter moral ou político, para decidir sobre a conveniência de serem ou não liberados para apresentação ou exibição ao público em geral”.
A proximidade do aniversário de 50 anos do Golpe Militar de 31 de março de 1964 no Brasil coloca em pauta o termo em questão para lembrar o período de 21 anos marcado, entre outros aspectos, pelo cerceamento à liberdade de expressão. Nesse sentido, uma severa política de censura imposta a jornais, revistas, livros, peças de teatro, novelas, filmes, músicas e outras formas de expressão artística foi empreendida principalmente no governo Médici (1969 - 1974), período conhecido como os “anos de chumbo” por ser considerado o mais repressivo dos governos militares.
Ressaltando que inicialmente poucos jornais se opuseram ao golpe, havia a censura prévia, que era exercida de duas formas. Ou uma equipe de censores instalava-se permanentemente na redação dos jornais e das revistas para decidir o que poderia ou não ser publicado, ou os veículos de comunicação eram obrigados a enviar antecipadamente o que pretendiam publicar à Divisão de Censura do Departamento de Polícia Federal, em Brasília. Para driblar os censores, a mídia impressa lançava mão de algumas estratégias. “O Estado de S. Paulo”, por exemplo, que em 1964 apoiara o que considerava um movimento militar legítimo, passou a ser censurado mais tarde pela mudança de posição em relação ao mesmo regime. O recurso para tal arbitrariedade foi a denúncia cifrada através da publicação de poemas de Camões e receitas culinárias no lugar das notícias proibidas. Usando humor e irreverência, “O Pasquim”, semanário editado de 26 de junho de 1969 a 11 de novembro de 1991 e reconhecido por seu papel de oposição ao regime militar, marcou época. Em novembro de 1970, a redação inteira do jornal foi presa depois que o hebdomadário (como o semanário se definia) publicou uma sátira do célebre quadro “Independência ou morte”, de Pedro Américo.
Problemas sociais e econômicos também tinham divulgação restrita, de modo a que fosse evitado qualquer estrago à imagem do país. Prova disso foi a censura imposta ao noticiário referente à epidemia de meningite que ocorreu no Brasil em 1974. Para fazer valer ainda mais seus métodos de repressão, o governo se utilizava da pressão econômica retirando dos órgãos de imprensa que o contrariavam a publicidade das empresas estatais. Em 1970, o “Jornal do Brasil” perdeu 15% de sua receita, sendo obrigado a “negociar” com os militares, isto é, a amenizar sua postura crítica em relação ao poder. Nesse embate velado, um personagem e seu bordão determinavam o tom prevalecente na época. Armando Falcão era o homem do “Nada a declarar”, frase que caracterizou sua relação com a imprensa. Como ministro da Justiça do governo Geisel (1974 - 1979), ele se recusava a comentar qualquer assunto considerado confidencial, polêmico ou delicado. De sua criação, a Lei nº 6339, de 1º de julho de 1976, logo batizada de “Lei Falcão”, passou a limitar o acesso dos candidatos ao rádio e à televisão no horário eleitoral, transformando-o numa mera apresentação de breves currículos individuais. A ideia era impedir as críticas ao governo e o consequente avanço da oposição.
Assim como a imprensa, o teatro e a música popular também estiveram na mira da Divisão de Censura. No entanto, por ter se tornado o veículo de comunicação de maior público nas décadas de 1960 e 1970, a televisão, em especial, não pode deixar de ser considerada, particularmente no que se refere às novelas, seu produto mais popular. Submetidos à censura prévia, os capítulos tinham cenas cortadas e trechos alterados, sendo praticamente reescritos pelos censores, o que resultava muitas vezes na adulteração do sentido original que o autor tinha pretendido lhes dar. Sinalizando a radicalização no setor, a primeira versão de “Roque Santeiro”, de Dias Gomes, foi simplesmente proibida em 1975.
A desobediência às regras do governo podia resultar no afastamento ou na demissão de funcionários, o que aconteceu com um superintendente de produção e programação da TV Tupi (hoje extinta), por ter mostrado no ar, durante um capítulo da novela “O Profeta”, de Ivani Ribeiro, a figura de D. Paulo Evaristo Arns, então arcebispo de São Paulo, que militava ativamente na luta pelo respeito aos direitos humanos. A vigilância sobre a programação dos canais de tevê chegou a atingir o irreverente apresentador Chacrinha e suas famosas e rebolativas chacretes. Uma praxe da época abrindo as apresentações na televisão era a exibição de um certificado de censura contendo os dados da empresa de comunicação responsável pelo programa a ser mostrado. O documento vinha rubricado pelos censores de plantão. Entre eles, Solange Hernandes (e sua famosa tesoura), um dos nomes mais emblemáticos da censura no país. Era essa gente que cortava tudo o que julgasse ofensivo ao governo ou contrário à moral e aos bons costumes. Sob a ótica deles, é claro.