Voltar a todos os posts

Torcida

15 de Julho de 2021, por Regina Coelho

a expressão amigo da onça (amigo falso) teria surgido de uma piada envolvendo um caçador que, questionado por um colega sobre o que faria se lhe aparecesse pela frente uma onça, apresenta-lhe sucessivas e também hipotéticas estratégias de defesa, todas derrubadas pelo interlocutor, com quem perde a paciência. “Mas, afinal, você é meu amigo ou amigo da onça?”, retruca ele.

Pois é. Ficção e falsidade à parte, é fato que estamos a todo instante de um lado ou do outro, torcendo contra, a favor ou para, uma vez que, segundo afirmam, podemos até não admitir, mas parece não existir mesmo a imparcialidade. Com base nessa premissa, torcemos sempre. Meu pai adorava acompanhar os jogos de futebol pelo rádio e pela tevê. Não jogando a seleção brasileira ou o Cruzeiro, para os quais torcia, escolhia logo torcer para a equipe considerada mais fraca. Ainda nesse campo esportivo, cabe lembrar aquele tipo apaixonado, conhecido como torcedor de carteirinha, roxo, doente ou fanático por seu time do coração, para quem não existe aquela história de ser simpatizante. É muito mais. É paixão por um só escudo. Sentimento esse, por exemplo, devotado ao Galo pelo escritor mineiro Roberto Drummond (1933-2002) e por ele imortalizado ao declarar em frase (hoje famosa) de uma de suas inúmeras crônicas que “se houver uma camisa branca e preta pendurada num varal durante uma tempestade, o atleticano torce contra o vento”.

Estar na torcida significa ter a expectativa de que certo resultado se concretize. Pode ser no bloco do eu sozinho(a) para causas particulares ou não. Pode ser na torcida organizada (sem violência, por favor!) ou não, uniformizada ou não, servindo de incentivo a muitos propósitos. É presença certa em concursos de beleza e de música, gincanas, desfiles de escolas de samba, programas estilo reality show e eleições de toda ordem, entre outras situações. Quando é o caso, torcida de verdade é aquela que vota, grita, empurra, vibra, xinga, bota pressão... tudo em busca dos bons efeitos no empenho de torcer.

Esportivamente falando, para além das competições anuais, de modo geral, nada mexe tanto com os torcedores do que a realização de uma Copa do Mundo de futebol e dos Jogos Olímpicos, eventos intercontinentais. É neste cenário ainda pandêmico que ocorrerá de 23 de julho a 8 de agosto deste ano a Olimpíada de Tóquio. Pela grandiosidade do evento, que reúne os atletas de mais alta performance de cada país, é possível imaginar o grau de importância que esse momento tem para eles. Estar entre os melhores do mundo já é uma vitória. Subir ao pódio, então, é a glória. Para nós, torcedores brasileiros, não tão acostumados a ver no peito de nossos atletas olímpicos a conquista de uma cobiçada medalha, é emoção pura, natural e compreensível. Nessa hora, equivale a ver o Brasil que dá certo.

Fora desse contexto, mas trazendo esse mesmo sentimento de amor pelo nosso país, uma questão se coloca: o que é ser patriota no dia a dia distante desses prováveis e esparsos sucessos das competições do esporte? Certamente que não é alguém se sentir mais brasileiro porque se veste de verde e amarelo ou se enrola na bandeira nacional em aparições públicas. Certamente que não é também alguém se sentir mais patriota porque sabe de cor e salteado o hino nacional brasileiro, mesmo desconhecendo o sentido de sua letra, complexa, por sinal.

Instituídos como símbolos nacionais (os outros são o selo e o brasão), a bandeira – especialmente o verde e o amarelo que a identificam como tal – e o hino do Brasil são de todos, sem o propósito de exclusividade por parte de alguns campos políticos. Dos dois podemos nos apropriar com orgulho. Mas, acima de tudo, ser patriota não deve ter o mero significado de defender posições ufanistas. Ser patriota é gostar de sua pátria, é poder ser cidadão de fato, consciente de seus direitos e deveres. É poder viver e trabalhar em paz com liberdade e dignidade. É ter atitudes do bem pelo bem comum dos brasileiros.

Nessa torcida pelo Brasil devemos querer estar. Ganharemos todos.

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário