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Três Marias

19 de Novembro de 2015, por Regina Coelho

“Aprendi com minha mãe, que faleceu com apenas 57 anos. Eu tinha 20 anos e assumi a responsabilidade da casa, pois minhas irmãs já eram casadas. Fiquei com meu pai, quatro irmãos (homens) e minha irmã mais velha, que tinha problemas de saúde. Com isso fui praticando mais. Trabalhei na Panificadora Sobrado e na Padaria Casa Nova por bons anos. Com a experiência, passei a fazer em casa bolos, biscoitos e salgados. Isso há 18 anos.” – Maria da Penha Resende

“Minha mãe gostava de costurar para nós. Eu ficava perto dela, encantada ao ver a transformação dos panos em lindos vestidos e blusas. Então, meu pai me deu de presente uma máquina manual. Aí comecei a praticar, fazendo as primeiras peças de roupa. Nessa época, eu tinha 16 anos. Com a Elisa, filha da Adelaide, aprendi o corte centesimal.” – Maria Helena de Resende Vale

“Comecei a trabalhar com bordado bem nova, mais ou menos com 12 anos. Via minha mãe bordar. Praticamente, ela não ensinava. A gente ficava junto com ela e aprendia. Bordo mais coisas de igreja – roupas das imagens, toalhas de batizado – e roupinhas de bebê. Isso é o meu forte. O dom que Deus me deu é tudo na minha vida”. – Maria Imaculada Conceição

As responsáveis pelos depoimentos acima são conhecidas popularmente pelos respectivos apelidos de Peninha, Lena (da Zilá) e Titinha (do Miro), e suas respectivas atividades de confeiteira, costureira e bordadeira.

A boa freguesia e o contato com as pessoas que vão à sua casa comprar seus produtos são motivo de alegria para Peninha. E não pode faltar também a hora de bater um papo com os fregueses, o que lhe faz muito bem, já que mora sozinha desde que perdeu a Floripes, irmã de quem cuidava. Dizendo-se atingida pela crise econômica atual, com menos encomendas, ela entende que temos de economizar. E só fica triste quando o que faz não fica como ela quer.

Quanto à Lena, fazer para as freguesas o que elas pedem é sentir-se feliz, realizada. Chateada ela fica com a falta de compromisso de uma ou outra freguesa, ou quando nota a insatisfação de alguém com seu trabalho. E mesmo com a facilidade de hoje na compra de roupas prontas, serviço não lhe falta. Segundo ela, muitas pessoas gostam da peça exclusiva, feita sob medida, porque não encontram o modelo e/ou o tamanho desejados.

Titinha garante que sua maior satisfação é lembrar que está trabalhando para Deus e pede ao Coração de Jesus que a ilumine, agradecendo-Lhe quando termina um trabalho. Sincera, ela explica que não gosta que deem opinião no que está bordando, por isso prefere trabalhar sozinha, trancada em casa. Sobre a valorização de seu delicado ofício, enfatiza que, de um modo geral, as pessoas acham bonitas as peças bordadas, querem vê-las, mas não entendem o trabalhão que dá o bordado. E costumam achar caro o que cobra.

Aposentadas formalmente, as três continuam atuantes. Peninha, para complementar a renda da aposentadoria e pelo prazer de trabalhar, mesmo considerando que não é fácil o seu serviço, um trabalho bastante pesado. Lena, por ser a costura agora para ela um passatempo, portanto também um prazer. E Titinha, da mesma forma, pelo prazer. No seu caso, de ver surgir de suas mãos uma peça única, de ver nos lugares aonde vai uma obra sua e ser parabenizada por isso. O gosto pelo que fazem – eis aí parte do segredo, ou melhor, da razão pela qual elas e tantos outros se realizam profissionalmente. A persistência lembrada pela Peninha, associada à dedicação citada pela Lena e à paciência e responsabilidade apontadas pela Titinha são fatores primordiais para se manterem firmes em suas atividades.

 

   E na alquimia dos ingredientes da cozinha, na precisão do corte e do feitio da costura e na criatividade das linhas coloridas do bordado, nossas três Marias se impõem como dignas representantes da força do trabalho feminino. Em comum no aprendizado do ofício de cada uma, revela-se a determinante presença materna em simples e cotidianas histórias de vida.

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