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Três vidas em plenitude

19 de Fevereiro de 2020, por Regina Coelho

Maria do Carmo mora em uma chácara no interior paulista. Mesmo beirando os 88 anos, leva uma vida ativa e nunca permitiu que a idade a impedisse de fazer qualquer coisa. Quando estava próxima de completar os 70, tirou carteira de habilitação, formou-se no Ensino Médio e aprendeu a tocar violão. Depois de sofrer algumas quedas enquanto ia visitar os filhos, que possuem sítios vizinhos, por recomendação médica ela teve que deixar de lado tanta agitação. Mas a vontade de retomar suas atividades era grande. Então Maria acionou a neta Thatiana com o seguinte pedido: “Conversa com seu pai e seus tios para eu poder ir à horta, nem que seja só para colher as mandiocas que plantei”. E assim foi. E mais. Fez também um dos filhos adaptar a horta para uma altura tal que agora ela não precisa se abaixar nos momentos em que cuida da plantação. E a neta ainda conta que, como a avó não gosta muito de tecnologia, um outro filho fez de uma caixa d’água no quintal da casa da família um lugar para que a mãe pudesse pescar e se divertir. A ideia foi um sucesso tão garantido que, depois de ter fisgado cinco peixes num só dia e, empolgada com a sexta próxima “vítima”, ela puxou o anzol com tanta força que caiu sentada. Felizmente, nada sério.

(Texto adaptado do R7 – Notícias boas – 14/1/2020).

 

Da mesma forma, Filomena Andrade é uma mulher cheia de disposição. E de compromisso também. A julgar por suas andanças pela cidade, Memena (como a chamo carinhosamente) é pura autossuficiência. Seja fazendo compras de supermercado ou atividades físicas com o grupo da Terceira Idade, seja participando de ensaios e apresentações do Coral Mater Dei ou visitando os mais chegados, ela é, de fato, uma pessoa incrível. Diante de seus recém-completados 90 anos, está em seus planos chegar aos 100. E condições para isso não lhe faltam, ainda que tenha passado por alguns problemas sérios de saúde. Sei de sua antiga paixão pelo vôlei dos tempos de jogadora (junto com minha mãe, minhas tias e outras moças) nas décadas de 1940/1950. Memena tem ainda o nome marcado na história do teatro amador de Resende Costa, nessa mesma época, com atuação em muitas peças. Há poucos anos ela se destacou numa performance idealizada por algumas alunas da E. E. Assis Resende como trabalho escolar. Em vídeo inspirado num clipe de Clarice Falcão (cantora) tendo como trilha sonora de fundo a música Survivor (Sobrevivente), mulheres de diferentes idades e vivências revelam força e resistência com gestos de encorajamento às demandas femininas. Conectada com a proposta defendida pelo grupo ali formado, Filomena simplesmente arrasou.

Padre espanhol naturalizado brasileiro, Dom Pedro Casaldáliga é bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT), município escondido no interior brasileiro de onde emergiu nacionalmente a figura corajosa daquele que ainda hoje de lá não arreda pé. Acometido há algum tempo pelo Mal de Parkinson, chamado por ele de “irmão Parkinson”, Pedro, como gosta que o tratem, é um homem de muita luta. “Sempre pela defesa de um progresso que não mate índios, que não destrua a natureza, que preserve a vida, que não escravize o ser humano”, resume Ana Helena Tavares, sua primeira biógrafa brasileira, explicando as causas abraçadas por seu biografado. Dom Pedro já foi alvo de inúmeras ameaças de morte por contrariar certos interesses escusos e por cinco vezes, durante a ditadura militar, enfrentou processos de expulsão do Brasil. Como se não bastasse toda dedicação de pastor aos mais desvalidos, o bispo do povo (ou bispo “vermelho”, para seus desafetos) é poeta e autor de várias obras sobre antropologia, sociologia e ecologia.

Maria, que não conheço, não se entrega. Conta com o tratamento amoroso da família. Memena conheço desde sempre. É mãezona de seis, entre eles, da Ré, minha amiga xará. Conheço Dom Pedro, que completa 92 anos neste 16 de fevereiro, por acompanhar seus feitos de longe. Chegados à maturidade plena, os três são donos de admiráveis histórias de vida.

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