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Triste é o preconceito

21 de Julho de 2022, por Regina Coelho

Baianos arretados, os escritores Jorge Amado (1912-2001) e João Ubaldo Ribeiro (1941-2014), num misto de humor e sinceridade, assim se manifestaram um dia sobre o processo de envelhecimento humano: “Já ouvi falar muito das delícias da velhice, mas até agora nunca fui apresentado a nenhuma delas”, ironizou o autor de Gabriela, cravo e canela. Seu colega, também criador de grandes sucessos literários, e ambos ganhadores do Prêmio Camões de Literatura, foi categórico ao afirmar que “a velhice não está na mente, está nas juntas”.

Estão certos os dois. Levar tão a sério a chegada dessa fase da vida não ajuda em nada. Entrar em desespero é bobagem. Conhece aquela frase “aceita, que dói menos”? É um pouco por aí. É relaxar, brincar até sobre as delícias (não apresentadas a Jorge) e as dores (sentidas em sentido duplo) típicas do prenúncio da nossa finitude neste mundo.

Inaceitável, porém, é a discriminação contra os mais velhos. Desde sempre esse comportamento vem atingindo os bem mais velhos, o que já é péssimo. Mas hoje, quando se vive mais e vive-se bem, observa-se paradoxalmente como quase uma imposição em algumas culturas a busca pela juventude eterna, uma utopia, vamos combinar. E por que essa obsessão desvairada pelo impossível? Por que essa pressão desmedida pela aparência? Por que essa distinção negativa pela idade? Deveriam bastar as limitações e dificuldades naturalmente impostas pelo avanço dos anos, não obstante o aumento na expectativa de vida entre nós.

Estamos vivendo tempos de ageísmo, etarismo ou idadismo, como se queira nomear o preconceito baseado em estereótipos associados à idade das pessoas, certamente aquelas consideradas velhas pela sociedade ou assim autoproclamadas. Nesse cenário já desfavorável, as mulheres aparecem como as maiores vítimas, alvo preferencial de cobranças cruéis: pelo rosto e pelo corpo que não são mais os mesmos, pela pele e pelos cabelos que não são os de antes, por tudo o que nelas se modificou.

A apresentadora Xuxa sabe bem o que é isso. Por sua livre opção em não se submeter a procedimentos estéticos radicais, preferindo envelhecer naturalmente, é julgada negativamente por muitos. Uma situação pontual dessa natureza envolveu no começo deste ano a modelo Cássia Ávila, uma das mais bem-sucedidas tops do país. Ao postar uma selfie nos Stories do Instagram, ela foi criticada por um desconhecido com a seguinte mensagem privada: “Envelhecer é triste”. Com classe, Cássia rebateu o infeliz comentário dele ao dizer, entre outras coisas: “Que tolice, né? Envelhecer é natural e um privilégio. Quem não envelhece, morre. Eu amo a vida. Envelhecer é a escolha certa. Afirmo isto com segurança em dia e colágeno em decréscimo, do alto (1,77m) dos meus 48 anos. Viva!”.

Há poucos dias, atualizando a leitura de notícias pela internet, dei de cara com uma matéria (vemos muitas) sobre frases etaristas, portanto, no mínimo, questionadas hoje. Vamos a elas: 1- Você não tem mais idade para usar isso. 2- Você deve ter sido muito bonita quando jovem. 3- Você nem aparenta a idade que tem. 4- Você tem idade para ser a mãe dele. 5- Me desculpe, mas qual a sua idade? 6- Você tem alma de jovem. 7- Tá querendo parecer uma gatinha, né? 8- Esqueceu? É a idade. 9- Não gosto de tal lugar, é balada de velho. 10- Você não entende, pois já está velha.

Contra ideias aí subentendidas, é preciso reafirmar, só dizendo o essencial, que o mais importante é a pessoa ser/estar feliz em qualquer idade; que a beleza física pode ser possível em todas as etapas da vida, sim; e que, claro, ter alma de jovem não é condição para alguém se sentir pleno, realizado, muito pelo contrário.

Bem a propósito dessa relação entre juventude e maturidade, o sábio e saudoso jornalista e humorista Millôr Fernandes (1923-2012) cravou uma definição perfeita: “qualquer idiota pode ser jovem. É preciso ter muito talento para envelhecer”.

Somente para finalizar, é bom lembrar que a vida pode nos guardar também boas surpresas até o fim.

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