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Um certo padre entre nós

12 de Fevereiro de 2014, por Regina Coelho

Tive o privilégio de ter sido aluna do Padre Nélson durante o Ensino Médio. Estudava no antigo Colégio Nossa Senhora da Penha, no prédio que é a atual sede da prefeitura local. Sendo um dos fundadores do colégio, Padre Nélson acumulou por um tempo as funções de diretor e professor de História e Filosofia do N.S. da Penha. Lembro-me bem de sua figura de muito respeito passando pelos corredores da escola em direção a alguma sala de aula. De longe, já vinha pedindo aos alunos, nos momentos de recreio, “licencinha, licencinha”, evitando qualquer contato físico mais próximo com as pessoas. Dentro da sala, uma primeira providência dele chamava a nossa atenção: ele ia catando os pedaços de giz desprezados por outros professores, para aproveitá-los. Às escondidas, a gente achava graça naquilo, pois às vezes nem era possível ver os toquinhos entre seus dedos ao escrever no quadro. Lição de economia também, provavelmente viemos a aprender isso bem mais tarde. Quanto às aulas propriamente ditas, que conhecimento! Dependendo da necessidade do assunto, nosso professor ia desenhando, à mão livre, mapas representativos de lugares mencionados em suas explicações e que íamos conhecendo através daquele guia tão entusiasmado.

É oportuno considerar que vivíamos tempos de dificuldades com a escassez de fontes de pesquisa, situação essa que fazia muita gente se deslocar até a Casa Paroquial para fazer seus trabalhos escolares. Culto, sábio e muito bem acompanhado de seus preciosos livros, Padre Nélson, por trás de sua bonita mesa de trabalho, tinha gosto em ajudar os que o procuravam. Selecionava o material adequado, pedindo cuidado a quem fosse usá-lo e que não fizéssemos muito barulho no escritório dele.

Mais tarde, fazendo faculdade de Letras, precisei de seus conhecimentos bíblicos. Ao fazer uma análise literária do “Cântico do calvário”, de Fagundes Varela, deparei-me com a expressão “escada de Jacó” (penúltimo verso do poema), que então desconhecia. Assim, achei melhor recorrer ao meu antigo professor para um providencial auxílio. Foi aí que ele citou o Livro do Gênesis e Jacó, que em sonho via uma escada estendida até o céu. Ao descrever em detalhes essa alegoria, meu consultor me forneceu argumentação para entender a tal escada do poeta como a sua esperança de subir ao encontro da vida eterna e juntar-se ao filho precocemente falecido e a quem o texto é dedicado.

Fui também vizinha do personagem central deste artigo. No quintal da mencionada Casa Paroquial, próximo ao muro que ainda hoje cerca a propriedade, havia um imenso abacateiro pendendo muitos de seus galhos para o quintal de minha casa. Aquilo era um convite irrecusável a brincadeiras que começavam com a escalada pela árvore e reuniam alguns de meus irmãos, um ou outro sobrinho do padre e eu. Os mais corajosos conseguiam chegar até “as grimpinhas”, o ponto mais alto do belo pé de abacate. Isso para grande preocupação de meus pais, que temiam pela segurança da criançada e tinham receio de que nosso sempre sossegado vizinho se aborrecesse com aquela “invasão” à sua horta. Mas nunca o ouvimos reclamar de nada. E quando subíamos até a laje da cozinha (as meninas de casa e amigas) para tomar sol, o desespero de meu pai aumentava. Ele não achava certo que, ao chegar à janela de seu quarto, o Padre Nélson visse a gente de biquíni. Aquilo seria um desrespeito nosso, que jamais o vimos daquele ponto da casa.

Nas celebrações religiosas, ele se transformava. Era sério, severo e conservador. Na igreja, homens de um lado e mulheres de outro; nas procissões, casais juntos só se fossem casados. Mulheres usando roupas curtas, decotadas ou sem mangas, nem pensar! No confessionário, como conhecia todo mundo e éramos crianças, perguntava se tínhamos brigado com o irmão A ou com a irmã B. Por conta de nossa ansiedade típica da idade, achávamos demorada a missa que ele celebrava. Quando alguém se atrapalhava com as palavras ao fazer alguma leitura litúrgica, nosso padre dava tapinhas de impaciência na própria cabeça ou tratava logo de corrigir a pessoa.

 

Assim era ele, na verdade, Monsenhor Nélson, que, depois do almoço, gostava de dar sua volta inteira, como tantos resende-costenses. Para quem não sabe, volta inteira aqui em Resende Costa é passar pela Praça Cônego Cardoso, pelos Quatro Cantos, pela Rua Gonçalves Pinto e contornar a Praça Rosa Penido, chegando ao mesmo lugar. Durante o trajeto, os que estavam sentados nas soleiras das portas, quando ele passava, reverentes, faziam questão de se levantar. Não se tratava de um ato de submissão. Era o reconhecimento de quem via na imagem daquele homem uma natural e incontestável liderança na cidade que o acolheu como filho. Distinguindo-o fisicamente, a inseparável batina não significava apenas a sua condição de sacerdote. Por honrá-la, soube se fazer verdadeiro servo de Deus, não deixando de ser também cidadão comprometido com as causas de Resende Costa.

Comentários

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    Amiga sou o sub. do Padre Nelson, voce sabe como eu posso entrar em contato com a fotógrafa do evento? Se voce tiver Face. me adc. Nelson torga ok. bjusss. Reportagem muito linda, parabéns.


  • Author

    Formidável as lembranças dos hábitos do Rev. Mons. Nélson pela Regina Coelho. Tb fui aluno deste nobre sacerdote. Suas aulas eram um alento para nós alunos, tamanha era a sua cultura geral. Mas um fato deve ser lembrado, a título de curiosidade. O horário de verão teve início no Brasil pelo Decreto 20.446/1931. Estendeu-se ele, até hoje, como sabemos. Mas, no período entre 1963, dec. 52770 até 1968, Dec. 63429/68, o Mons. Nélson não adotava o horário de verão. As cerimônias eram todas realizadas pelo horário tradicional, ou seja, 01 hora mais tarde, contrariando uma determinação por Decs. Federais.Após o ano de 1985, dec. 91.698, é que o Mons. passou a adotá-lo. Não sei dizer se o relógio da matriz e o seu de pulso, mantiveram o horário antigo.A curiosidade deste comentário é a de que, por certo, foi um fato ímpar na história do primeiro período do horario de verão que se estendeu de 1931 a 1968.Hoje, seria objeto de reportagens e comentários Brasil afora. O que não houve, na época, pela fragilidade dos meios de comunicação. Grande Mons. Nelson, legislou em causa paroquial.


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