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Uma ilha perdida no oceano da razão (Machado de Assis)

15 de Abril de 2015, por Regina Coelho

Ano passado, foi vista passeando por algumas ruas da cidade, por vezes entrando em bares, uma mulher vestida de noiva. Não a conheço, não vi a cena protagonizada por ela, mas mesmo assim aquela situação me chamou a atenção. Fico pensando na história que pode haver por trás de alguém que, sem ser uma artista numa performance de rua, age dessa forma.

Em março de 1988, poucos dias após a morte do Padre Nélson, como era do desejo dela morrer, faleceu a Zita de Melo, nossa vizinha de sempre na Rua Gonçalves Pinto. Isso porque ela e seu irmão Álvaro já moravam ao lado do terreno onde mais tarde foi construída nossa casa. Desde quando nos lembramos deles, não eram mais jovens. Guardamos dos dois inúmeras histórias, quase todas alegres e divertidas. Mas saber que a Zita estava sendo levada para ser internada em Barbacena não era nada engraçado. Era um misto de dó, susto e tristeza vê-la de partida para lá.

Figura de destaque em Resende Costa como médico e prefeito (1935-1946), o doutor Costa Pinto marcou época aqui na primeira metade do século passado. Por intermédio de minha mãe, exímia contadora de casos, fui levada a conhecer um pouco da vida de D. Santinha. Tendo vivido parte de sua existência afastada da família devido aos constantes tratamentos de sua saúde mental, ela era casada com o doutor Costa Pinto.

Isaac Newton (1643-1727) foi um dos maiores gênios de todos os tempos. Inventor do cálculo, desenvolveu a Lei da Gravidade e construiu o primeiro telescópio refletor. Apesar do brilhantismo, era conhecido por seus transtornos mentais. Newton era uma pessoa de difícil convivência e apresentava mudanças drásticas de humor. Alguns de seus biógrafos sugerem que ele tinha transtorno bipolar e esquizofrenia.

Como se vê pelos breves relatos acima, os problemas de perturbação da mente não fazem distinção de época, de condições social e intelectual, ou de gênero, representando um desafio constante para os especialistas dessa área do conhecimento humano. E em que pesem os reais avanços observados nos tratamentos para as popularmente chamadas “doenças da cabeça”, a vida dos acometidos por elas representa ainda um estigma social a ser superado. Em outros tempos, durante séculos, pessoas com sofrimento mental eram simplesmente afastadas da sociedade, escondidas pelos familiares, e até encarceradas em casa ou submetidas a maus-tratos em hospícios de triste memória. Hoje, felizmente, a luta antimanicomial e a consequente humanização no atendimento e acompanhamento desses pacientes são um alento, pois conferem dignidade aos que vivem ou sobrevivem fora dos limites da chamada normalidade.

No Brasil, na dianteira dos estudos sobre tratamentos não violentos, a médica alagoana Nise da Silveira (1905-1999) deflagrou uma completa transformação do modelo de atendimento psiquiátrico no país. Por se opor radicalmente às terapias utilizadas até então, que incluíam eletrochoques, lobotomia (intervenção neurocirúrgica em que se extirpa parte do cérebro como forma de “acalmar” pacientes mentais, hoje em desuso) e trabalhos forçados, Nise optou pela defesa e aplicação de técnicas terapêuticas inovadoras. Uma delas envolvia a convivência dos doentes com seus prováveis animais de estimação, através dos quais os pacientes iam recuperando seu vínculo com o mundo real. Outro método desenvolvido pela psiquiatra era a terapia ocupacional ligada a atividades prazerosas para que os necessitados de seus cuidados pudessem se expressar por meio da pintura, do teatro e de trabalhos manuais como o artesanato.

 

Revolucionária essa doutora Nise. Pioneira também por buscar outros caminhos, certamente mais leves, nem por isso menos seguros, como forma de respeito e amparo aos discriminados em razão de sua condição de saúde. E ainda inspiradora, certamente, pois deve haver em projetos interessantes espalhados por aí muito do que ela pregava e realizava como notável profissional da psiquiatria.

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