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Vida de canhoto

12 de Abril de 2010, por Regina Coelho

Nossa, você é canhoto? Nossa, como você escreve engraçado! Ah, eu acho tão legal quem é canhoto! Ah, eu queria tanto ser canhoto! Todo canhoto tem letra bonita. Com certeza, toda pessoa canhota já ouviu um desses comentários acima ou coisa parecida.

É, essa, digamos assim, preferência do pessoal que usa naturalmente a mão esquerda para suas atividades do dia a dia chama mesmo a atenção da maioria destra. E se os canhotos ficaram estigmatizados por muito tempo como pessoas, no mínimo, diferentes e esquisitas, isso já não é mais assim.

E felizmente também não são mais castigados ou convencidos a trocarem de mão. E se a mentalidade predominante na Idade Média ligava a pessoa que fazia suas tarefas com a mão esquerda a práticas de bruxaria ou a ter pacto com o demônio, isso hoje soa como uma piada. O que não se pode negar, no entanto, é a existência de uma certa discriminação, ainda que velada, contra o canhotismo.

Vejamos: levanta-se bem a cada manhã com o pé direito, cumprimenta-se alguém com a mão direita, corta-se o alimento com a faca posta na mão direita. Em compensação, o coração fica guardado no lado esquerdo do peito. Ocorre que até mesmo a religião oferece apelo de peso ao preconceito. Segundo a Bíblia, Jesus Cristo se sentava ao lado direito de Deus.

Quanto ao diabo, não apenas seria canhoto, como batizava seus seguidores com a mão esquerda, isso tudo de acordo com o pensamento do século XVII. Que chato, não é mesmo? Não sei se há fundamento nas informações de que os canhotos vivem menos e são sempre inteligentes.

Que consolo! E até mesmo o genial poeta Drummond deu uma mãozinha (suponho que tenha sido a direita) para reforçar essa ideia de desajeitamento esquerdista. Os versos iniciais do seu Poema de Sete Faces são a comprovação de tal pensamento. Observem:

Quando nasci, um anjo torto
Desses que vivem na sombra
Disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida.

NOTA: A palavra “gauche” tem origem francesa e significa lado esquerdo, errado, sinistro. Aplicada à dimensão humana, é o ser às avessas, o torto, aquele que não consegue se comunicar com a realidade que o rodeia. Além dessas questões de natureza conceitual, a verdade é que ser canhoto no mundo real é fazer um esforço a mais para realizar coisas tão banais que, na verdade, não deveriam exigir esforço algum.

Todo mundo sabe, por exemplo, que torneiras, maçanetas, tudo o que gira, gira para a direita, seguindo a ditadura dos destros. E como usar a mão esquerda abridores de lata, tesouras, mouses, colheres tortas para bebês e cadernos de espiral (caderno de arame), entre outros objetos? E aquelas carteiras escolares com a mesinha lateral à direita? E como tocar certos instrumentos musicais, como o violão ou a guitarra, reconhecendo a posição correta das cordas? É, não é fácil para os cerca de 10% dos canhotos existentes no mundo a adaptação aos padrões destros da sociedade.

Há um outro tipo de dificuldade que essas criaturas precisam enfrentar. As escritas alfabéticas, de modo geral, indiscutivelmente, favorecem os não canhotos porque correm da esquerda para a direita. Nessa direção, o canhoto cobre com a própria mão o que está escrevendo e suja os dedos, ao mesmo tempo que pode borrar o papel. Ou acaba torcendo o punho, segurando o lápis ou a caneta, ficando em forma de gancho a mão.

Hoje a ciência sabe que ser canhoto é mais uma tendência natural. Alguns cientistas até arriscam afirmar que o canhotismo pode ter causa genética. Sem dúvida, ele é determinado pelo cérebro, não pelas mãos. As respostas de cada mão aos estímulos são originadas no hemisfério cerebral oposto, ou seja, se a pessoa usa a mão direita, isso significa que a parte que está controlando suas atividades é o lado esquerdo do
cérebro e vice-versa.
Conheço muita gente que gostaria de ser ambidestra, isto é, utilizar as mãos direita e esquerda e/ou um ou outro pé com a mesma facilidade. Só que andei especulando sobre o assunto e dei de cara com uma curiosa teoria desfavorável ao ambidestrismo. Segundo a própria, se não houvesse preferência, os dois lados do corpo, igualmente capazes, poderiam entrar em disputa em momentos como alcançar a chave do carro, pegar o lápis e escrever, chutar a bola ou começar a andar.

Finalizando, apresento-lhes, por mera ilustração, uma breve listagem de nomes de famosos canhotos: Leonardo da Vinci, Isaac Newton, Machado de Assis, Marilyn Monroe, Ayrton Senna, Pelé, Einstein, Picasso, Mozart, Maradona, Bill Gates, Paul Mc Cartney, Charlie Chaplin, Angelina Jolie, Barack Obama...

Em tempo, embora não seja famosa, eu também sou canhota.

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