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Vivendo entre flores

13 de Dezembro de 2011, por Regina Coelho

Minha mãe adora flores, especialmente as rosas e as hortênsias. Considerando todas as espécies, afirma preferir apreciá-las em seus respectivos pés a vê-las espalhadas pela casa e com isso arrancadas ou apanhadas de onde nascem. Ainda assim não deixa de se alegrar quando alguém a presenteia com esses mimos. Sabedoras desse seu gosto, pessoas conhecidas ou mesmo os de casa acertam em cheio quando lhe enviam uma rosa. Além da alegria pelo presente em si, para ela isso é sinal de que aquela novena (sempre há uma em andamento) vai resultar na graça alcançada. Da turma que lhe manda exemplares variados da rainha das flores destaca-se dona Guaída do Joãozinho Jacaré.
 
Fui encontrá-la em sua casa, que identifiquei de imediato pela presença abundante de plantas logo na entrada. Acertei com ela uma conversa para a produção da presente matéria, não sem antes dar uma volta pelo quintal com o objetivo de ser apresentada às suas flores. Ganhei de sua zelosa cuidadora uma rosa vermelha. Aliás, esse singelo gesto se repete em relação a “toda amiga” que a visita.
 
Conforme o combinado entre nós, reencontrei-me com dona Guaída. Prosa vai, prosa vem, ela me contou que tem 76 anos, é “devotíssima” de Santo Expedito e São Judas Tadeu e aprendeu a rezar o terço da Imaculada Conceição com a avó, aos 4 anos. Doméstica, já trabalhou como lavadeira, também juntando lenha para vender e apanhando café em serviços contratados pelo Dr. Válter Bacarini e pelo Raul da dona Dalva.
 
Desde criança, dona Guaída já gostava de folhagens, mas uma cena presenciada por ela há quase 30 anos lhe valeu uma decisão. Era dia de Finados. Aconteceu que a Maria Melo havia levado até à porta do cemitério, aqui mesmo em Resende Costa, uma Kombi repleta de flores para vender. Tendo perdido mãe e pai pouco tempo antes daquele dia, dona Guaída encontrava-se naquela fase em que, segundo ela, as pessoas nessa situação buscam um pouco de conforto levando flores aos seus falecidos entes queridos. Como não tinha dinheiro para comprar as que eram oferecidas no carro, decidiu que a partir de então iria ela mesma cultivar suas plantas. Hoje, a condição de aposentada lhe permite a compra de uma muda para cada pagamento. Indo a São João del-Rei, é a mesma coisa. Quando poda suas roseiras, vai replantando-as. São umas 70 atualmente, cada uma com um tom único. “É igual noiva, não tem rosa feia”, afirma ela, poetando. E acrescenta: “Sou do signo de gêmeos, tudo meu tem que ser dois – duas roseiras iguais, duas folhagens também – só não quis dois maridos”.
 
E dessa forma simples e descontraída ela vai tocando a vida. Isso significa acordar bem cedinho e toda manhã olhar os pés de rosas, ver se eles estão com formigas ou mandruvás e regá-los quando é calor. Seus cuidados incluem ainda jogar esterco de gado neles e entulho, que as rosas adoram. E devem agradecer, suponho eu, pois são belas. Uma única vez elas correram risco de ficar sem os cuidados de dona Guaída, que gosta de conversar com suas plantas. Ela perdeu um filho e desencantou-se de tudo, mas, mesmo sofrendo, voltou para as roseiras, que “as coitadas não tinham culpa de nada”. Melhor assim para todos, inclusive para os santos da igreja quando são agraciados por flores cultivadas com tanta dedicação. Melhor também para nós. Em tempos de tanta brutalidade, é preciso fazer com que simples e necessárias ações de delicadeza se imponham e façam prevalecer o que temos de bom.
 
Em tempos também de Natal, fui buscar na figura risonha de dona Guaída a síntese dos mais nobres sentimentos experimentados pelo ser humano. Lembrando-lhe a proximidade do período natalino, ela me revelou que monta o seu presépio no cantinho da sala, no chão, com papel de embrulho tingido de tinta preta. Houve uma vez em que usou papel azul para simbolizar a água descendo da gruta. E não devem faltar suas plantas enfeitando tão representativo cenário.
 
“Depois dos meus filhos e amigos, elas são a minha vida”, responde sobre o que as flores representam para ela, Margarida Maria de Alacoque, uma flor de pessoa no nome e na alma.
 
Não posso deixar de agradecer à Tintinha da Dalila a ótima sugestão para que escrevesse sobre plantas. Isso depois de me garantir ter tido o privilégio de ver o momento exato de uma flor se abrindo. Como se pode ver, ela, dona Guaída, minha mãe e um mundo de gente formam uma parcela significativa da população que se curva embevecida à existência de uma flor.
 
Finalizando, recorro às palavras primorosas de Dom Hélder Câmara que assinalam também o último “Contemplando” deste ano. Até 2012!
 
“O importante não é viver muito ou viver pouco, mas realizar na vida o plano para o qual Deus nos criou. As rosas, a rigor, vivem um dia. Mas vivem plenamente porque realizam o destino de graça e beleza que vêm trazer à  terra”.

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