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Vocês e eu

09 de Outubro de 2009, por Regina Coelho

Completo agora em outubro dois anos como colunista do JORNAL DAS LAJES. Esta é a coluna de número 25. Parece pouco, não é? Não para mim. Nesse tempo todo, escrevi sobre os mais variados assuntos, não sem antes pesquisar aqui e acolá conferindo datas, nomes e indo atrás de pessoas que me pudessem prestar informações de que precisava, ou mesmo confirmar e até esclarecer determinados aspectos de uma situação. Como vocês podem ver, dá trabalho escrever. Isso sem contar as tentativas que fazemos para deixar o texto do nosso jeito, com a nossa cara. Acho que é por isso que jamais esqueci o que Fernando Sabino escreveu a respeito dessa questão. Mesmo sem o talento dele, contando apenas com meus modestos e despretensiosos escritos, julgo-me no direito de concordar com ele, que afirmou:

“Nada mais penoso para mim que a busca da expressão adequada, da propriedade vocabular. Há mil maneiras de dizer uma coisa e só uma é perfeita. Para descobri-la, a gente pode levar a vida inteira. (...) É preciso não duvidar da inteligência do leitor. Tenho a impressão de que, ou ele me valorizaria muito, ou passaria a ter por minha literatura o maior desprezo, se soubesse o que ela me custa: aquilo que ele levou alguns minutos para ler me custa dias, meses, às vezes anos para escrever.”

Essa opinião tão feliz e sincera do mineiríssimo Sabino me remete a um curioso episódio presenciado por mim alguns anos atrás. Estava viajando de ônibus, estando sentada perto de um homem que lia seu jornal. De repente, aquele leitor que me parecera tão entretido na leitura de tantos papéis simplesmente abriu a janela do veículo jogando-os fora. Ele não me deu tempo de lhe pedir emprestado o jornal. Tivesse o imprevisível senhor deixado o seu exemplar abandonado na poltrona, não faltaria quem pelo mesmo por ele se interessasse, como eu, por exemplo. Outros leitores também se apossariam daquele jornal.

Lamentei profundamente aquela atitude, pela falta de educação do sujeito de levar tão ao pé da letra a ideia de que jornal é artigo descartável (Hoje não é assim. É melhor dizer que ele é artigo reciclável.). Lamentei também o ocorrido pela oportunidade perdida de ler, ainda que de carona, as folhas que o vento literalmente levou para longe.

Hoje, como responsável por este CONTEMPLANDO AS PALAVRAS, alegro-me pela oportunidade que não perdi de poder escrever para tanta gente, ainda que sabendo da luta constante com as palavras e das páginas do nosso jornal já lidas ou não, muitas vezes esquecidas rapidamente num canto qualquer ou levadas também pelo vento. Que me perdoe o grande poeta Drummond por me apropriar do seu “Lutar com palavras/ é a luta mais vã/ entanto lutamos/ mal rompe a manhã./ São muitas, eu pouco./ Palavra, palavra/ (digo exasperado), / se me desafias,/ aceito o combate”.

De minha parte, prefiro dizer que a luta pode não ser vã quando a ela se junta o prazer de chegar às pessoas. Muitas delas a gente nem conhece pessoalmente. Nada disso, no entanto, impede que se estabeleça entre nós uma agradável relação de camaradagem. A todos os leitores deste espaço, em especial àqueles que se manifestam em demonstrações de carinho ao que escrevo, dedico a luta que acabei de travar com as palavras. Até a próxima edição. Fiquem com um caso interessante contado por Frei Betto.


Filosofia

No curso de filosofia, em São Paulo, tive um professor cuja pedagogia primava pela irreverência, ao contrário de outros da mesma matéria que, por considerá-la profunda, revestem-se de uma sisudez que mais espanta do que atrai.

O professor tinha por hábito escalar os filósofos como um time de futebol: pré-socráticos contra os socráticos; árabes em desafio aos cristãos; medievais na disputa da taça Sofia com os modernos; contemporâneos analíticos.

O mais curioso – o que nos facilitava o aprendizado – era o modo de ele tratar os filósofos: Pluto era Platão; Ari, Aristóteles; O Gordo, Tomás de Aquino; O das Cartas, Descartes; Chico Toucinho, Francis Bacon; O Espinhoso, Spinoza; Mané do Canto, Kant; Chope Raia, Schopenhauer; Nítido, Nietzsche; O Régua, Hegel; Guto Conta, Comte etc.

Assim, a filosofia deixou de ser, para nós alunos, um mistério, para ser o que é: uma análise racional e crítica da realidade.

Comentários

  • Author

    Adorei !!! Espero continuar lendo outras inúmeras colunas desta escritora e minha ex-professora. Continuo aprendendo tanto com ela! Quero parabenizá-la por esta arte e dizer que, apesar de dar trabalho, escrever é, antes, um prazer. E um prazer que se distribui a tantos leitores... Isto é muito bom.


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