Outro dia fui ao cinema, no shopping, em São João del Rei. É meu esporte favorito (ir ao cinema, não ao shopping, viu? E não tanto quanto o é para a Carina Bortolini), embora a modernidade - leia-se fita vhs e, depois, o dvd - tenham me deixado muito sedentário! Porque esporte, no sentido figurativo usado aqui, é entretenimento, prazer... Esporte não precisa ser necessariamente - graças a Deus! - futebol, vôlei, ciclismo, musculação, basquete ou qualquer outro tipo de atividade física. Em resumo, pode ser uma atividade mental - mas que lhe dê satisfação, é claro! E enquanto eu aguardava a hora do início do filme, fiquei recostado num canto e entretido vendo o pessoal malhar na academia.
Academia?! Intrigou-me de início esse nome! (Eu ali, no saguão do shopping, diante das minhas abstrações...). Desde quando os atletas - ou pretensos atletas, porque lá há muitos gordinhos como eu - usurparam e apropriaram-se da “akademia”, a de Platão, escola destinada a estudos e divagações filosóficas e que depois estendeu sua semântica para as faculdades, universidades, agremiações ou sociedades de caráter científico, literário ou artístico? Mas sempre, convenhamos, com este sentido intelectual... Talvez tivessem feito como nós, cinéfilos, que nos apropriamos do “sport”.
Mas foi aí que, surpreendentemente, no entremeio de minhas divagações acadêmicas, que vi uma cena insólita, pelo menos para mim. Uma balzaquiana formosa caminhava desesperadamente e suando bicas enquanto folheava alguma coisa. Caminhava parada - coisa que a modernidade permite - porque o que realmente andava era a esteira embaixo dos seus pés. Estaria ali a explicação para a academia? Ou seja, as pessoas iam à academia para aumentar seus conhecimentos e desenvolverem seu intelecto e, de quebra, aproveitavam para cuidar dos seus físicos?
Uma clarividência tomou conta do meu espírito, como se eu “eureka” tivesse descoberto, finalmente, a razão de a academia ter sido transferida para os ginásios esportivos. Não havia mais razão para eu implicar com o emprego do substantivo para designar os lugares onde as pessoas cuidavam do corpo físico. Ali estava a sublimação plena, o exercício perfeito, a experiência excelsa! Mens sana in corpore sano!
Olhei ao redor, por dentro da academia. Um outro corria também desesperadamente na esteira enquanto conversava com alguém do seu lado, em outra esteira. A conversa parecia animada de modo que um ou outro arriscava a vida e soltava a mão do apoio para gesticular emprestando ênfase à sua opinião. Talvez discutissem alguma solução para alguma de nossas agruras, assim como faziam Platão e seus discípulos, pensei. Mais adiante um outro pedalava (também sem sair do lugar) vertendo suor enquanto via e ouvia - com um fone de ouvido, coisa da modernidade - televisão. O suor escorria-lhe pela testa quase a ofuscar o brilho dos seus olhos cravados na TV. Deve estar vendo algum documentário, no mínimo um noticiário, pensei.
Saí de onde estava e fui ver de perto a balzaquiana, aquela mesma que me chamou a atenção pela plástica e por estar folheando alguma coisa e que, objeto do meu empirismo, tinha me feito chegar a essas conclusões... Queria me redimir, pedir-lhe perdão pelas coisas que algum dia, precipitadamente, concluí sobre academia de ginástica e pessoas “malhadas”. Acheguei-me pelo corredor e estacionei exatamente atrás dela, por detrás do vidro que blindava a academia. Ela era mais linda que me parecera inicialmente. Caminhava ainda freneticamente. Em frente dela uma revista, que folheava. De repente foi diminuindo o passo até que a esteira parasse. Apanhou a revista e desceu da esteira. Pude ver a capa: CARAS!
Entrei para o cinema!
Continuamos em campanha por um monumento em homenagem aos ex-combatentes de Resende Costa
A academia
19 de Maio de 2008, por Rafael Chaves