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A medida do amor

12 de Agosto de 2008, por Rafael Chaves

Depois que Madalena fora aprovada no exame de insanidade pela junta médica do INSS, mantendo a sua aposentadoria por invalidez, para a tranqüilidade e sobrevivência da sua família, ocorreu-me de falar do seu marido, Anastácio.

O mesmo Anastácio que cuidava da horta de couve no fundo de sua casinha singela, trabalhador de salário mínimo, pouco mais talvez, e que vivia feliz com ela, Madalena, e o casal de filhos. A casinha lá no alto do morro, que é onde as posses deles podiam pagar e de onde, da varanda, podiam avistar a cidade aos seus pés e o horizonte quase infinito.

Porque o leitor haveria de se perguntar a razão de Anastácio viver tão feliz ao lado de sua esposa maluquinha e eu precisava dar uma explicação. Eu poderia resumir essa história toda dizendo que para cada panela existe uma tampa. E Anastácio era a tampa de Madalena, ou vice-versa. Mas seria simplório demais dizer isso e acho que o leitor ainda ficaria com uma pulga atrás da orelha. Uma historinha acontecida poderá, quem sabe, trazer melhor entendimento sobre a relação de amor que unia Anastácio e Madalena.

Certo dia Anastácio chegou até mim, sentou-se na cadeira ao redor da mesa, apoiou o cotovelo na mesa e o queixo no punho. Estava sorumbático, macambúzio. Alguma coisa o perturbava, eu pressenti. Como ele permaneceu naquela posição sem dizer nada e eu diante daquele inusitado quadro não resisti e perguntei:

- O que há com você, Anastácio? Posso lhe ajudar em alguma coisa?

Anastácio levantou levemente a cabeça olhando para um vazio na sua frente, voltando logo em seguida a abaixar a cabeça e a apoiá-la no punho, não sem antes balançar negativamente a cabeça, em sinal de extrema desolação.

- O que é que foi, Anastácio? - insisti

- O meu casamento acabou! - respondeu ele, meio taxativo.

Eu me assustei com aquela revelação, assim tão repentina e inesperada. Afinal, para mim, Anastácio e Madalena haviam nascido um para o outro, eram a materialização do amor feliz e eterno, a tampa e a panela. Representavam para mim, um incrédulo e cético de carteirinha, a esperança e possibilidade de um casal feliz, do amor para sempre jurado ao pé do altar. “Seria por algum destempero da Madalena?”, pensei. Madalena tinha lá suas crises, mas nunca soube que atirasse pedra! E Anastácio não tinha nenhum sinal de agressão, nenhuma escoriação.

- Mas Anastácio, o quê que aconteceu? Você e a Madalena se dão tão bem, nunca vi um casal assim como vocês... - reticenciei, aguardando pela resposta de Anastácio.

- Não tem jeito não! O amor acabou! - sentenciou Anastácio na sua desolação.

- Mas Anastácio, me diga de onde você tirou essa idéia? Não estou entendendo nada! – disse eu.

- Não tem mais amor entre nós! Tem não! - falou Anastácio, balançando negativamente a cabeça.

- Mas de onde você tirou essa conclusão, Anastácio?

- Uai - disse ele, mineiramente - no princípio a gente fazia amor duas, três vezes por dia. Todo dia! Agora são só três vezes por semana! Não temos mais amor um pelo outro, ta acabado!

Diante daquela revelação eu fiquei, por alguns segundos, estático, boquiaberto, sem entender e sem ter o quê dizer. Enquanto isso Anastácio, ainda desolado, balançava a cabeça negativamente.

- Anastácio, fica assim não! - eu disse, quase recuperado do susto. Todo casamento passa por crises, vocês vão conseguir passar por essa! Dá um tempo, refresca a cabeça, que tudo vai dar certo. Você vai ver que isso não é nada demais, que as coisas vão se ajeitar - continuei, psicanalítico.

Anastácio levantou-se da cadeira e foi-se sem dizer mais nada. Sei que continua casado com Madalena, feliz e satisfeito, tudo aparentemente do mesmo jeitinho (no diminutivo!). Só não sei se o amor voltou a ser como antes ou se ele reavaliou a medida do seu amor!

Continuamos em campanha por um monumento aos ex-combatentes de Resende Costa.

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